Aprendi sobre Gibran Khalil Gibran com o Arcebispo da Catedral Metropolitana Ortodoxa que freqüento desde que nasci. Dom Ignácio era uma pessoa ímpar e um dos meus raros mentores e paradigmas. Foi na morte do meu pai que recebi seu conselho para ler O Profeta de Gibran, de onde retirei o seguinte texto:
Então, uma mulher disse: “Fala-nos da alegria e da tristeza.
E ele respondeu:
“Vossa alegria é vossa tristeza desmascarada.
E o mesmo poço que dá nascimento a vosso riso foi muitas vezes preenchido com vossas lágrimas.
E como poderia não ser assim?
Quanto mais profundamente a tristeza cavar suas garras em vosso ser, mais alegria podereis conter.
Não é a taça em que verteis vosso vinho a mesma que foi queimada no forno do oleiro?
E não é a lira que acaricia vossas almas a própria madeira que foi entalhada à faca?
Quando estiverdes alegres, olhai no fundo de vosso coração, e achareis que o que vos deu tristeza é aquilo mesmo que vos está dando alegria.
E quando estiverdes tristes, olhai novamente no vosso coração e vereis que, na verdade, estais chorando por aquilo mesmo que constituiu vosso deleite.
Alguns dentro vós dizeis: ‘A alegria é maior que a tristeza’, e outros dizem: ‘Não, a tristeza é maior.’
Eu, porém, vos digo que elas são inseparáveis.
Vêm sempre juntas; e quando uma está sentada à vossa mesa, lembrai-vos de que a outra dorme em vossa cama.
Em verdade, estais suspensos como os pratos de uma balança entre vossa tristeza e vossa alegria.
É somente quando estais vazios que estais em equilíbrio.
Quando o guarda do tesouro vos suspende para pesar seu ouro e sua prata, então deve a vossa alegria ou vossa tristeza subir ou descer.”
O Profeta foi escrito em 1923 e bem cultuado na década de sessenta. Na leitura de sua obra contemplamos a conciliação de várias correntes filosóficas com a poesia e princípios cristãos.
Nesta semana, a cidade teve vários eventos para comemorar os 125 anos de nascimento desse poeta, filósofo e pintor árabe. Segundo ele, os poetas e artistas eram mais importantes do que os políticos.
Em seu livro O Louco, percebemos o conceito sufi da sábia solidão contra um mundo cada vez mais insano:
- Dois eremitas
Numa montanha solitária, viviam dois eremitas que adoravam a Deus e se amavam um ao outro. Ora, esses dois eremitas tinham uma tigela de barro que era a única coisa que possuíam.
Um dia, um espírito mau entrou no coração do eremita mais velho, e ele procurou o mais moço e disse-lhe: “Faz muito tempo, já, que vivemos juntos. Chegou a ocasião de nos separarmos. Dividirmos nossos bens.”
Então, o mais novo entristeceu-se e disse: “Aflige-me, irmão, que tu me deixes. Mas, se tens necessidade de partir, seja assim.” E trouxe a tigela de barro e deu-a ao outro, dizendo: “Não podemos dividí-la, irmão. Que seja tua!”
Então, o eremita mais velhos disse: “Não aceito caridade. Não levarei nada que não seja meu. A tigela deve ser dividida.”
E o mais moço ponderou: “Se ela for quebrada, que utilidade terá para ti ou para mim? Se é teu desejo, lancemos antes uma sorte.”
Mas o velho eremita disse novamente: “Não quero senão justiça e o que me pertence, e não vou confiar a justiça e o que me pertence à sorte vã. A tigela precisa ser dividida.”
Então o eremita mais moço não pôde deixar de argumentar e disse: “Se é de fato teu desejo e se mesmo assim o querer, quebremos a tigela.”
Mas a face do eremita mais velho foi escurecendo excessivamente,e ele gritou: “Ó maldito covarde, não queres mesmo brigar.”
- O olho
Um dia, disse o olho: “Vejo, além destes vales, uma montanha velada pela cerração azul. Não é bela?’
O ouvido pôs-se à escuta e, depois de ter escutado atentamente algum tempo, disse: “Mas onde há qualquer montanha? Não a ouço.”
Então, a mão falou: “Estou tentando em vão senti-la ou tocá-la, e não encontro montanha alguma”E o nariz disse: “Não há nenhuma montanha. Não lhe sinto o cheiro.”
Então, o olho voltou-se para outra parte; e todos começaram a conversar sobre a estranha alucinação do olho. E diziam: “Há qualquer coisa errada com o olho.”
Gibran buscou na união da natureza com o misticismo o resgate do homem corrompido pela civilização.
Em seu livro Parábolas encontramos os seguintes conceitos:
“A generosidade não está em dar-me aquilo de que preciso mais do que tu, mas em dar-me aquilo de que precisas mais do que eu.”
“Sois realmente caridosos quando dais e, ao dar, virais a face para não ver o acanhamento de quem recebe.”
“Uma vez, falei do mar a um pântano, e o pântano achou que eu era um visionário. E, uma vez, falei de um pântano ao mar, e o mar achou que eu era um difamador.”
“O desejo é a metade da vida; a indiferença é a metade da morte."
Está em sua obra Jesus o texto a seguir: Jesus desprezava e escarnecia dos hipócritas, e Sua ira era como a tempestade que os flagelava. Sua voz era trovão em seus ouvidos, e Ele os intimidava. Em seu medo d'Ele, buscaram sua morte; e, qual toupeiras na terra escura, trabalharam para solapar Suas pegadas. Mas Ele não caiu em suas ciladas. Riu deles, pois bem Ele sabia que o espírito não será ludibriado, nem será levado ao abismo. Ele segurou um espelho em Sua mão e, nele, viu o lerdo e o manco e aqueles que titubeiam e caem à beira da estrada a caminho do cume. E teve piedade de todos eles. E desejava erguê-los à Sua estatura e carregar seu fardo. Não somente isso, desejava despojar sua fraqueza em Sua força. Ele não condenava sumariamente o mentiroso, o ladrão ou assassino; mas condenava, sim, o hipócrita cujo rosto está mascarado e a mão enluvada. Muitas vezes, ponderei sobre o coração que abriga a todos que vêm das terras áridas para o Seu santuário; contudo, contra o hipócrita, permanece fechado e lacrado.
Um dia, enquanto repousávamos com Ele no jardim das romãs, eu Lhe disse:
- Mestre, tu perdoas e consolas o pecador e todos os fracos e enfermos, exceto ao hipócrita.
- Escolheste bem tuas palavras ao chamares o pecador de fraco ou enfermo. Perdôo a fraqueza de seu corpo e a enfermidade de seu espírito. Pois suas falhas foram-lhe conferidas por seus antepassados ou pela ganância de seus próximos. Mas não tolero o hipócrita, porque ele próprio lança um jugo sobre aquele a quem lhe falta astúcia ou que concede. Os fracos, a quem chamas de pecadores, são como aves que, sem penas para voar, caem do ninho. O hipócrita é o abutre aguardando sobre uma pedra a morte da presa. Os fracos são homens perdidos em um deserto. Mas o hipócrita não está perdido. Ele conhece o caminho; contudo ri entre a areia e o vento. Por esta razão não o acolho.
A apreciação da obra atemporal de Gibran é de grande interesse, além de ser fonte segura para nosso constante aprimoramento.
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