terça-feira, 18 de março de 2008

Kazantzakis

Quantas vezes você se casou, Zorba?
Sobressaltou-se. Dessa vez havia escutado e, agitando sua manopla:
- Oh! - respondeu - que assunto foi buscar! Afinal, sou homem. Eu também cometi a grande besteira. É assim que eu chamo o casamento. Que os casados me perdoem. Cometi, pois, a grande besteira: casei-me.
- Bem, quantas vezes?
Zorba coçou nervosamente o pescoço. Pensou um instante.
- Quantas vezes? - disse enfim. - Honestamente, uma vez só, uma vez para sempre. Mais ou menos honestamente, duas vezes. Desonestamente, mil, duas mil, três mil vezes. Como se pode calcular?

- Contar o quê? Isso não são coisas que se contem, patrão! As uniões legais, essas não têm gosto; são pratos sem pimenta. Contar o quê? Que não há prazer algum em beijar quando os ícones estão olhando para você e dando bênçãos?

Que serenidade! Que doçura! Ao sol poente, as paredes brancas de cal coloriam-se de rosa. A igrejinha, acolhedora, pouco iluminada, tinha cheiro de vela. Homens e mulheres moviam-se numa nuvem de incenso e cinco ou seis monjas, em hábitos pretos, entoavam com vozes fraquinhas e amenas Senhor Todo Poderoso. Ajoelhavam-se a cada instante e o frufru de suas vestes parecia um bater de asas. Havia muitos anos eu não ouvia os cânticos à Virgem. A revolta da primeira juventude me fizera passar diante das igrejas cheio de desprezo e cólera. O tempo me abrandara e cheguei a ir, algumas vezes, a festas solenes: Natal, as Vigílias, a Ressureição. Regozijava-me vendo ressuscitar a criança que subsistia em mim. O sentimento místico de outrora se transformara em prazer estético. Os selvagens crêem que, quando um instrumento musical não serve mais para os ritos religiosos, perde sua força divina e emite então sons harmoniosos. Assim a religião se tinha degredado em mim: tornara-se arte.

É preciso vinho para a castanha e mel para a noz,
Para o homem uma mulher e para a mulher um homem.

Esse homem, pensei, nunca foi à escola, e seu cérebro não foi desarrumado. Viu de tudo, seu espírito abriu-se e seu coração alargou-se, sem perder a audácia primitiva. Todos os problemas complicados, insolúveis para nós, ele os resolve com um golpe de espada, como seu compatriota, Alexandre, o Grande. É difícil que ele tombe sobre um lado, pois apóia-se inteiramente na terra, dos pés à cabeça. Os selvagens da África adoram a serpente porque todo o seu corpo toca a terra e conhece, assim, os segredos do mundo. Ela os conhece com seu ventre, com sua cauda, com sua cabeça. Ela a toca, mistura-se, faz-se uma só, com a mãe Terra. O mesmo ocorre com Zorba. Nós, as pessoas instruídas, somos senão passarinhos bobocas no ar.

Nikos Kazantzakis

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