Pensei em iniciar este texto com o comum eu não consigo imaginar, mas acredito que não é apropriado, por que a imaginação infelizmente tornou-se estado primário e cedeu seu lugar para triste realidade. Portanto, eu não entendo como alguns pais conseguem se afastar ou desistir da própria prole, em favor de filhos que não são deles e, por vezes, fazem parte do denominado pacote atual companheira, seja ela qual for.
A primeira vez que presenciei essa situação foi há dez anos, em Brasília, com o comportamento de um amigo comum que se separou da mulher e também de seus dois próprios filhos, então adolescentes, para viver com a companheira e os três filhos dela – dois dos quais, da mesma idade dos dele.
Lembro com detalhes o sofrimento e a reação das crianças ao serem substituídas, social e financeiramente, pelos três novos infantes.
Não há como descrever o que passaram esses jovens, mas afirmo que o prejuízo emocional foi devastador e não será recuperado com facilidade.
E o pior, não bastou desistir da própria prole para beneficiar outra, como também assumiu e ainda assume o comportamento de pai presente, que jamais teve com seus filhos. Assim, passeios, férias, viagens, carros, presentes, incentivos, festas familiares, escolares e formaturas tornaram-se habituais e favoreciam os novos filhos e seus amigos.
Lembro que fiquei impressionada com a inédita disposição dele para levar e buscar os infantes e seus amiguinhos das baladas e, até mesmo, marcar presença no cansativo dia do vestibular. Pois lá estava ele, todo solícito, a levar para cima e para baixo os enteados e afins, enquanto seus próprios filhos enfrentavam essa dura concorrência sozinhos.
Mais triste ainda, foi a fraqueza desse pai ao permitir que qualquer vontade de seus filhos dependesse da vontade dos enteados.
No início, por conveniência leniente, tentou unir a todos em ocasiões especiais, é obvio, sem o sucesso pretendido. Aos poucos, passou a utilizar interlocutores para tentar conversar com seus filhos.
Aos nossos olhos que observávamos a trama e tentávamos, sem sucesso, suprir a figura do pai ausente, o que agravou a situação foi a banal e habitual manipulação que a companheira e seus filhos exerciam sobre o pobre. Com o tempo, o infeliz passou a acreditar que era carinho o interesse bajulador e com isso, passou a comparar seus filhos com os infantes com os quais habitava. Logo, sua prole passou a ser problemática, difícil, egoísta, interesseira e descartável.
A palavra problema sempre foi e será sinônimo de filhos. Desistir é uma das opções, sem dúvida a mais fácil de todas. Confesso que eu mesma, durante a fase dura da adolescência rebelde sem causa que durou mais do que deveria, quase quis lembrar ao pai do meu filho seu papel e mandar-lhe o rebento de presente para que ele compartilhasse, de forma mais efetiva, a vida e os problemas causados pelo nosso pimpolho. Mas, embora opção, a desistência não fez parte do contexto. Foi de fato o caminho mais complicado e também o único que me permite afirmar que essa missão foi realmente cumprida.
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