Queremos um homem bem educado. E a boa educação sempre é acompanhada pela gentileza, pela delicadeza, pelo respeito, carinho, elegância e dedicação. Sem hipocrisia, sem quaisquer intenções e interesses. Sentimos falta de homens verdadeiramente bem educados. O mundo precisa de homens verdadeiramente bem educados.
Dia vinte de janeiro é dia de lembrar, mais ainda, de um homem verdadeiramente educado, com o qual tive o privilégio de conviver e a exclusiva vantagem de chamar de pai. Um pai com cheiro de lavanda inglesa e que gostava muito de mim.
O texto abaixo foi escrito pela Danuza Leão e publicado na Folha de São Paulo, em 20.01.08
Um avô que me ensinasse, pelo exemplo, a ser gentil,
atenta aos outros, que me desse muita atenção
Eu já estava no meio do jantar quando eles chegaram e se sentaram na mesa ao lado. Ela uma senhora vaidosa, com os cabelos pintados, brincos, anéis, essas coisas que nós mulheres gostamos de usar. Ele, um senhor já bem senhor, daqueles que só se vêem na França. Um senhor daqueles bem idosos de antigamente.
Pequeno, magro, os cabelos completamente brancos cortados curtos, olhos azuis e bochechas rosadas. Como era inverno, ele, muito elegante, usava um suéter, um paletó de tweed, um cachecol e um gorrinho de lã que tirou, assim que se sentou à mesa. Dava para perceber que devia cheirar a lavanda. A pele era fina, e sem uma só ruga. O casal não tinha a rapidez da juventude; o andar era lento, os gestos, vagarosos, e as palavras, calmas. Ele ajudou-a a tirar o casaco, esperou que ela se sentasse (na banqueta ao meu lado) e só então se sentou, diante dela.
Levaram um bom tempo para escolher o que iam comer, e era comovente ver como ele procurava saber do que ela gostaria, e dando sugestões; delicado, sempre muito atento a tudo que ela dizia, e sem nenhuma impaciência ou pressa, características dos muito jovens. E falavam baixinho.
A garrafa de vinho chegou, ele provou primeiro, disse ao garçom que estava aprovada; serviu a sua dama, em primeiro lugar, depois a ele mesmo.
Pediram uma grande bandeja de frutos do mar, e a cada um que comiam, faziam um comentário; como a maioria dos franceses, eles conheciam o assunto. Deixaram para o final um siri imenso, e com toda a calma do mundo -e com pinças especiais- tiraram até o último pedacinho da carne, sempre comentando sobre o que estavam comendo. Deram toda a importância do mundo ao jantar, e depois da conta paga -sem pressa- ele se levantou, puxou a mesa para que sua companheira pudesse sair, ajudou-a a colocar o cachecol, o casaco, depois vestiu o seu, colocou o gorrinho na cabeça e saíram, ela na frente, ele atrás. Imagino que já tivessem passado há um bom tempo dos 80, mas ainda tinham o prazer da boa mesa, da boa companhia. Seriam casados?
Acho que não, velhos casais não costumam ter tantos assuntos, e raramente saem sozinhos para jantar.
Fiquei pensando em como gostaria de ter tido um avô como ele.
Um avô que me levasse a um restaurante quando eu era criança, me fizesse conhecer os mistérios das ostras, a reconhecer um bom vinho. Um avô que me ensinasse, pelo exemplo, a ser gentil, atenta aos outros, que puxasse a cadeira para mim, que me desse muita atenção, aquela que só se dá às pessoas de quem se gosta muito. Que me forçasse, delicadamente, a pedir uma sobremesa; que me perguntasse, antes de pedir a conta, se eu estava contente, e que quando saíssemos, de mãos dadas, parasse para me comprar um saquinho de chocolates, assim por nada, só porque isso é coisa de avô.
Um avô que cheirasse a lavanda como ele devia cheirar, calmo como ele, gentil como ele, com os olhos tão azuis quanto os dele, e que gostasse muito de mim. Só que aos três anos eu já não tinha mais nenhum avô, e como nunca tive, nunca me ocorreu que eles me faziam falta.
Mas nessa noite - e pela primeira vez - pensei em como seria bom ter tido um avô que gostasse muito de mim.
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