terça-feira, 7 de abril de 2009

Nuno Júdice

Chego em frente do mar, das suas ondas,
das marés que setembro enfurece, dos cinzentos
e azuis que alternam com verdes estranhos;
uma voz trata da loucura, ou do olhar vazio
dos peixes, ou de um tema ressequido como as algas
da maré baixa; um vento percorreu a praia,
no silêncio da tarde, devolvendo ao corpo das águas
uma unidade antiga. O mar, no entanto, supõe
que o esqueçam. Nos seus fundos dormem as imagens
que o sonho já não guarda; braços que se agarram
aos mastros do naufrágio. Um barco abstracto
passou devagar pelo horizonte que a manhã não viu,
entrando no outro lado da terra, esquecido
por instantes da música dos portos. O poema, disseram-me,
ignorou essa distracção: atravessou
o limite da eternidade, vestiu-se com as palavras
nocturnas, deixou que a morte o contaminasse.
À beira-mar, não dou por isso; e digo-o,
devagar, repetindo em voz baixa
todas as suas contradições.

* * *

Morreram da epidemia, os melhores: a uns,
levou-os a peste; a outros, a gripe a que
chamaram pneumónica; e houve os da
doença de S. Vito; os da lepra, os da
tísica, galopante ou não. Isto, quando
não davam um tiro na cabeça, não se
enforcavam num candeeiro, não se deitavam
ao rio. Houve ainda os que deixaram
de escrever; os que beberam até perder
o juízo; os que, pura e simplesmente,
desistiram sem nada explicar. Como
se a vida dependesse de tão pouco –
linhas rabiscadas em papéis baratos,
frases que podiam ou não rimar,
pensamentos . . . que poderiam ter
guardado para eles próprios. No
entanto, quando os leio, percebo o seu
desespero. A beleza não aparece
todos os dias à vista do homem;
a perfeição nem sempre parece
uma coisa deste mundo. Sim:
subo as escadas até ao fim,
de onde se vê a cidade, embora
o tempo esteja de tempestade. O
que se passa, neste instante, sob
aqueles tectos? Que epidemia, mais
subtil, prende ao chão os que,
ainda há pouco, sonhavam com o voo?

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