quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Diversas

É impossível deixar de apreciar a criatividade dos poucos sonhos que recordo. Imagino que são plenos de simbolismo, alguns de fato são, por isso de complexa análise e interpretação. Embora afirmem que sonhamos todas as noites, mesmo que não lembremos de nossos sonhos, eu considero estranho o aparente vácuo que encontro entre um sonho recordado e outro. 
Mais estranha é a lembrança de sonhos antigos mesclados à situações reais atuais - déjà vu manda lembranças para toda a família. 
O sonho criativo mais recentemente foi a três, quatro dias atrás e é uma pena que eu não possa descreve-lo em detalhes coloridos e bem humorados, por envolver situação e criaturas inusitadas. Ficou a nítida sensação que estive em outro lugar ou minha lembrança também é mantida em outro lugar.


Existem perguntas de formato simples, compostas por duas ou três palavras, que demandam explicações complexas, às vezes, nada lisonjeiras. É triste quando a experiência prevalece e extingue a possibilidade de devir. Algumas motivações e tentativas deveriam ser dispensáveis, inexistir.


Dois fatores inéditos: O tempinho diário dedicado ao exercício da mente e o aprendizado contemplativo. Aos poucos deixo de lado características que eram marcantes e aprimoro minha personalidade em nova cadência. A isso, também, chamam maturidade.


Se a arte imita a vida a vida também imita a arte, mais precisamente o rosto de Alec Baldwin em algumas cenas específicas de "It’s complicated”.


No tempinho de relaxamento comecei a jogar xadrez com o computador ao mesmo tempo que aprendo a controlar a impaciência, eventual desconcentração, a impulsividade e a natural tendência de sacrificar peões e proteger a raínha mais do que o próprio rei. Também passei a resolver palavras cruzadas, utilizar caneta e olhar cada vez menos os resultados. A tudo isso também chamam maturidade.

Imagem de Adrian Sommeling

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Oscar 2012


Eu gosto de assistir ao vivo a  premiação do Oscar, torcer pelos meus favoritos, me emocionar com as reações dos escolhidos, apreciar os mais belos vestidos e smokings, e o raro porte elegante de poucos privilegiados, mas ainda me impressiono com o mau gosto e o exagero que impera.
Meryl Streep e Christopher Plummer eram meus escolhidos, é admirável o trabalho desses dois artistas ímpares. Confesso que a nomeação Max von Sydow, outro excelente ator, me fez pensar em um empate na categoria melhor ator coadjuvante, mas Plummer já merecia esse Oscar desde a sua impecável interpretação de Lev Tolstoi, em “The Last Station”, de 2009.
É na reação e expressão surpresa ou desapontada que os artistas nomeados abandonam as técnicas de interpretação assimiladas e se igualam ao público, tornam-se comuns. 
Outro encanto desse premiação da indústria de entretenimento, que prima pela vaidade, beleza e juventude, foi a disputa inédita e abrangente, que incluiu dois atores octogenários, duas atrizes sexagenárias e dois galãs cinquentenários, todos ativos, bem sucedidos e com vários filmes realizados na última década. Esse não é o padrão do cinema americano e se o Oscar 2012 iniciou nova forma de considerar os profissionais mais experientes, então, há esperança na alteração do nosso próprio comportamento frente à velhice.
Agora, resta a apreciação dos filmes e dentre os premiados dois já haviam chamado minha atenção: “A Separation˜, de Asghar Farhadi, “Saving Face”, de Daniel Junge e Sharmeen Obaid-Chinoy, além do nomeado “Tinker Tailor Soldier Spy”, de Tomas Alfredson com a interpretação primorosa de Gary Oldman. 
A surpresa da noite? Para mim foi ouvir o inesperado “se agapo poli” (eu te amo muito, em grego) dito pelo diretor-roteirista de “The Descendants”, Alexander Payne ou Alexandros Papadopoulos, filho de emigrantes gregos. Para as melhores fotos dos participantes do Oscar 2012 acesse o link da academy awards 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

No more clichés

Beautiful face
That like a daisy opens its petals to the sun
So do you
Open your face to me as I turn the page.

Enchanting smile
Any man would be under your spell,
Oh, beauty of a magazine.

How many poems have been written to you?
How many Dantes have written to you, Beatrice?
To your obsessive illusion
To you manufacture fantasy.

But today I won't make one more Cliché
And write this poem to you.
No, no more clichés.

This poem is dedicated to those women
Whose beauty is in their charm,
In their intelligence,
In their character,
Not on their fabricated looks.

This poem is to you women,
That like a Shahrazade wake up
Everyday with a new story to tell,
A story that sings for change
That hopes for battles:
Battles for the love of the united flesh
Battles for passions aroused by a new day
Battle for the neglected rights
Or just battles to survive one more night.

Yes, to you women in a world of pain
To you, bright star in this ever-spending universe
To you, fighter of a thousand-and-one fights
To you, friend of my heart.

From now on, my head won't look down to a magazine
Rather, it will contemplate the night
And its bright stars,
And so, no more clichés.

O que de mais belo soube sempre o disse, de repente, a alguém que não conhecia

Pode ser difícil, conflituoso até, o exercício do “e se” praticado solitariamente, você e seus botões mais falantes, ou em conjunto com alguém que a estima, sincero e íntimo o suficiente a ponto de bem conhece-la e a sua vida.
"E se" eu não tivesse feito aquela escolha, não tivesse adotado aquela atitude, não tivesse dito aquelas palavras, não tivesse agido daquele jeito, não tivesse me omitido, não tivesse deixado de lado aquela coisa, valor, sentimento e tudo mais que  faz parte da nossa vida? 
"E se" eu tivesse considerado minhas expectativas, tivesse sido mais egoísta, tivesse posicionado minha vida em primeiro lugar? 
"E se" eu não tivesse mudado de cidade, de país, de planeta? Costumam ser tantos os “e se”, ainda mais em uma vida plena e independente cujas rédeas estão bem firmes nas mãos, que não raro surgem Cíclopes e Lestrigões imaginários capazes das piores torturas internas, superáveis através dos seguintes entendimentos básicos:
1- Circunstâncias e sentimentos - Com o tempo circunstâncias e sentimentos perdem força, são esquecidos, apesar de serem os fatores que mais influenciam as diversas escolhas feitas ao longo da vida. Portanto, tenha em mente as circunstâncias e seus sentimentos no momento de cada escolha crucial.
Um exemplo banal: Se hoje você tem certeza que aquele par de sapatos caríssimos, de grife internacional, vermelhos com bolinhas roxas e fivelas lusco-fusco são de amargar, certamente, quando os compro você os considerou lindos e a sua cara, quem sabe o melhor investimento do ano e seu passe definitivo para a felicidade. Ora, escolher sapatos é ato de menor importância se comparado com a escolha da carreira, das reações diante da vida, do que se imaginava ser o verdadeiro grande amor.
2- Todos são mestres - Por mais complicado que possa ser considere mestres, professores, todas as pessoas que passaram por sua vida porque, certamente, com elas você aprendeu o que deveria, o que precisava aprender, mesmo o conhecimento anverso, que não deveria ser.
3- O devir - Este tem jeito meio surreal, transcendente, mas acredite que você está exatamente onde deveria estar, do jeito que deveria estar o que, no final, retira pesos, correntes, ônus abusivos e confere especial pertinência à todas as escolhas que a trouxeram até aqui.   

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ella Fitzgerald & Duke Ellington orch. - Sweet Georgia Brown

Espero que me digam se sou feliz, real, ou simplesmente uma espuma de cinza em muitas mãos

É um exercício imaginar o que você faria se descobrisse que seu bilhete foi premiado no sorteio de algum jogo oficial qualquer e você tem 70 milhões de reais à imediata disposição. Qual seria a sua primeira atitude? Qual seria o seu comportamento? O que eu faria? Bom, por segurança e até que eu providenciasse sistemas protecionais pertinentes e não ostensivos, eu mandaria para bem longe as pessoas que me são mais caras e após receber o prêmio eu também me afastaria por um curto período para melhor pensar. 
Eu teria em mente que qualquer valor tem sua capacidade, logo, uma parte desse dinheiro seria utilizado para gerar mais dinheiro, porque diferente de muitos, eu não deixaria de produzir - a vida é meio vazia sem uma atividade séria e remunerada. Eu negociaria quaisquer pendências, as melhores aplicações e criaria uma associação (ou outra pessoa jurídica qualquer) para prover recursos (materiais, médicos, jurídicos, educacionais) aos mais necessitados e minha opção seria pelas crianças e pelos velhos. Eu não concebo a ideia de receber tanto sem nada retribuir. Seria inadmissível. Eu zelaria por essa associação e cooptaria profissionais éticos e honestos de diversos segmentos para, conjuntamente, realizar a boa diferença. Eu não daria vinda mansa aos meus, mas lhes proporcionaria os melhores meios para, através do trabalho, realizarem seus bons sonhos. Eu faria algumas surpresas, sem dúvida, porque a vida também requer regalos. Eu vigiaria a arrogância para que ela não se instalasse e não perderia a noção de quem realmente sou. Eu faria o esforço necessário para, em detrimento das facilidades, jamais perder a minha capacidade de sentir indignação. Isso tudo se eu ganhasse 70 milhões em algum sorteio oficial qualquer. 
Vocês repararam nos valores citados em filmes antigos? O super bandido demandava alguns milhares de dólares para não contaminar toda a água do planeta; a obra de arte almejada e exposta em um museu famoso valeria, no máximo, cinquenta mil dólares e esse montante garantiria o resto da vida mansa ao personagem ladrão; no filme “The Italian Job”, de Gary Gray, com Donald Sutherland, Mark Wahlberg, Edward Norton e Charlize Theron, aquele, com uma porção de mini Coopers em corrida urbana frenética, sobre o roubo em Veneza de 35 milhões de dólares em barras de ouro, valor que dividido garantiria a aposentadoria e a realização de todos os sonhos de sete malfeitores. Caramba! Em 2003, ano daquela produção, 35 milhões de dólares era muito dinheiro e poderia ser dividido por sete, ou mais, com sobra. Hoje, lemos, sabemos e ouvimos sobre rios de milhões de dólares, de reais, de euros, que insatisfazem, não sete, mas um único ladrão. 
Se por ventura eu aprimorasse o exercício inicialmente proposto e resolvesse vender o meu bilhete premiado, obviamente por um preço bem maior, para quem necessitasse legalizar dinheiro ilícito? Bom, de início eu teria alguma dificuldade para justificar a mudança de status social: Herança ganha? Casamento bem sucedido? Sorte nos negócios? Dinheiro achado e não reclamado não é roubado? A simplicidade costuma ser regra: Fulano ganha x, gasta y, tem patrimônio no valor de w. Se o patrimônio do Fulano ou de seus filhos profissionalmente malsucedidos, os Fulaninhos Júniores, de seus pais humildes, sr. e sra. Fulano de Fulano, irmãos, cunhados, primos e amantes, todos tão humildes quanto os pais, de repente, é inundado por um rio de dólares, reais ou euros, sem um bilhete premiado de algum jogo oficial que justifique tamanha felicidade, então, no mínimo, deveria garantir uma boa explicação.
Não é apenas a deterioração das principais bases de uma sociedade que o rio monetário caudaloso e corrupto garante. Ele também mina o comportamento de cada um de nós e nos torna suscetíveis ao desmando e ao erro. Assim, diariamente a manutenção de máquinas, edifícios, procedimentos também é corrompida. O empresário percebe mais lucro com a venda de produtos contaminados, o funcionário público recebe mais para virar o rosto ou fazer menos, o empregado sabota a máquina para fraudar o seguro e a seguradora não paga o tratamento de saúde devido e pertinente. Os valores aumentam cada vez mais e demandam exercícios imaginativos periódicos: O que você faria se descobrisse que seu bilhete foi premiado no sorteio de algum jogo oficial qualquer e você tem 700 milhões de reais à imediata disposição. Qual seria a sua primeira atitude? Qual seria o seu comportamento? 
     

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

I have a box full of poems about whiteness that tell stories of happiness





The connoisseur


When it came to happiness she was a gourmet,
a connoisseur of small moments and extravagance.
Like a hummingbird, free as jazz, she floated away.


She wasn’t immune to love. But her need to stay
on top of things meant she didn’t rate romance
when it came to happiness. She was a gourmet


of the ungraspable now, savoring on the spot, without delay,
what the rest of us reheat at a bitter distance.
Like a hummingbird, free as jazz, she floated away.


I envied her of course, which isn’t to say
her dance, her casual way, didn’t leave me in a trance.
When it came to happiness she was a gourmet.


To recognize contentment was her gift, her forte,
sipping the nectar from selected instants
like a hummingbird. Free as jazz, she floated away


from me with the old line: 'Is there anything I can say
to make this easier for you?' Not a chance.
When it came to happiness she was a gourmet.
Like a hummingbird, free as jazz, she floated away.


Billy Rambles

Simplificar a vida, ou, a excelência ao alcance de todos

Vejo cafeteiras cada vez mais sofisticadas, fantásticas e algumas preparam cafés gostosos a ponto de, eventualmente, tentarem esta que vos escreve (eu gosto de chás e leite com chocolate). Máquinas que se transformam no centro das cozinhas (quem sabe da casa inteira) e são manuseadas com tamanha destreza, a ponto de demandarem um barista particular para o preparo do cafezinho de cada dia. 
Sem dúvida estamos mais sofisticados e nossa sofisticação nos leva à escolha do melhor vinho, o melhor azeite, a melhor água mineral, o melhor grão de café, a melhor flor de sal e tanta melhoria amplia nosso conhecimento sobre coisas antes impensáveis, ou, desconsideráveis, além de fortalecer nossa ansiedade e complicar a vida. 
Volto às super cafeteiras e a inevitável lembrança que trazem do brick, como há séculos, na Grécia e na Turquia, é chamada a mini panelinha bem barata, com formato diferente, que com água filtrada e café de boa qualidade moído fino, sem erro, prepara o melhor café. Repare bem, cara senhora, caro senhor, para usar essa panelinha à toa não é necessário filtro de qualquer espécie, energia elétrica, tampouco prática e habilidade. E se vocês têm por perto uma tia idosa, também conhecerão o futuro através da leitura mágica da borra no fundo da xícara.

A simplificação da vida é exercício saudável, necessário e nos remete ao passado. Hoje, graças à complexidade que nos impusemos, a excelência é sobrecarga

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Caetano Veloso, un vestido y un amor

Eu fui às touradas em Madri e quase não volto mais aqui, para ver Peri beijar Ceci

Tirolesa, bailarina, havaiana, que atire o primeiro punhado de confete quem na infância não participou da folia carnavalesca.
Eu gostava das brincadeiras, da guerrinha de água com bisnagas plásticas, dos confetes jogados para o alto e do desenrolar rápido e meio mágico das serpentinas. Eu gostava do banho de piscina depois da algazarra e também gostava de saber que meu pai andava por perto para proteger a filha amada.  
Depois, o carnaval transformou-se no tempo dos quereres, a quase obrigação de viajar para longe do corre-corre de São Paulo, ou mesmo do Brasil, até encontrar o melhor motivo para correr para o Rio de Janeiro, na contracorrente do próprio carioca, que corria para Itaipava, Búzios e, sim, algumas vezes também seguir o fluxo dos que  saíam do Rio no carnaval. Aquele foi o tempo que perdi o sotaque meio europeu, uma parte do jeito tão peculiar de filha dos meus pais, um punhado da atávica (e aparente) frescura e aprendi a gostar de bolinhos salgados e cerveja gelada em alguma praia paradisíaca perto de Paraty, e dos bolinhos de aipim com camarão do Bracarense no final de um dia inteiro de praia. Céus! Bem lembro que pensei a primeira vez: Se a minha mãe me visse nesse boteco... Eu gostava do Rio, do jeito da cidade, dos passeios, da diversão, das pessoas, do relaxamento, do bem-querer e do amor. Eu adorei quando fui ao ensaio de uma escola de samba tradicional (escolhida à dedo por quem sabia, para a perfeita segurança e aproveitamento da princesa greco-paulista), quando fui ao desfile na Sapucaí - aquele espetáculo foi arrebatador, quando acompanhei um bloco alegre em Ipanema e também ao curtir os divertidos e desengonçados jogadores de volei de praia, homens grandes, barbados e másculos, todos vestidos de mulher a brincar na areia de Copacabana. 
Hoje, não acompanho a movimentação nem resultados de desfiles, e o carnaval é a deliciosa oportunidade de reaver a minha cidade, a São Paulo vazia, que nessa época tem o ritmo das décadas de sessenta e setenta, do bom tempo da infância.
Aos poucos o carnaval transforma-se em metáfora de vida.   

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Each drop of ink contains a fair supply



A bunch of 52 keys 

Lights
Camera
Action!
Let’s peep through the first keyhole.
This key doesn’t fit.
This one is too rusty.
Throw it away, far away.
This key is in Saturn.
Unhook all the red keys.
This one wrapped in rubber
Doesn’t show where it’s from.
A key will bend when upturned suddenly.
A key found on a street is never useful.
A useful key, you never find on a street.
Dukkha is a woman who has dropped her key.
You cannot open it with dukkha, only with a key.
Old keys, in bunches of four, three, two.
Leave this for the man with swine rabies.
Reserve these for others with a similar condition.
A car key for a car.
A free key for a free rider.
A key is not a toy.
Wait
Let’s begin at the beginning,
Let’s peep through the first keyhole.
This key doesn’t fit.

Maung Pyiyt Min


(Imagem obra de Georgia O’Keeffe)

A permissão equivocada que a pressa traz



Se eu tivesse o dom de dar bons conselhos este, hoje, seria o mais importante: Não tenha pressa. 
A pressa é o passe livre para pessoas erradas e resultados ruins.



(Imagem de Saul Steinberg)

Panquecas e seus segredos

Miscelânea

Para o casal amoroso a conquista é exercício constante.

A pimenteira tem florzinhas brancas e delicadas, pimentas de um vermelho vivo intenso e brilhante, e outras verdes, certamente com sabor mais suave, imaturas, que em poucos dias conhecerão a magia da vermelhidão incandescente na boca da gente. Está aqui o vaso vistoso da pimenteira, próximo das diversas violetas multicolores, das azaléias brancas e rosas que aparecem quando bem entendem e dos lírios da paz, os mais presentes.  
Experimento, faz parte da vida, e acrescento novos sabores e aromas ao alimento preparado: Pimentas vermelhas, gengibre, novas ervas e especiarias - o sabor mais adulto, brinco - e peço que me avisem se exagero. Oscilo entre o sabor delicado e o instigante, desconsidero o temor das pimentas e embora retire suas sementes para suavizar o ardido, também percebo o quanto se harmonizam e aromatizam a refeição concluída. Eu diria que estou bem próxima da excelência do verdadeiro sabor indiano e não se enganem, porque a real comida indiana não é ardida e prescinde do estratégico copo de leite para  amenizar a queimação. Eu sabia que a refeição preparada com esmero é um dos maiores confortos oferecidos a quem chega e aprendo que a refeição-incentivo é a que prove de boa energia e exclui qualquer tristeza. O segredo está no prazer sentido, quer no preparo da refeição, quer em seu consumo, e este é o novo aprendizado, ou melhor, o aperfeiçoamento de descobertas recentes, a excelência da entrega feminina.

Há amor abundante no olhar verdadeiramente carinhoso.

Dizem, eu acredito e pratico, que para bem-viver é necessária memória curta, mas, como a vida tem humor próprio, criativo e nos testa com certa frequência, também ando em fase de inventar novas qualificações e classificações, compartimentos internos para melhor organizar novelos emaranhados,  imagens, sentimentos, odores, lembranças e tudo mais passado que (feliz ou infelizmente) forma a nossa história. É fácil - corrijo - para mim sempre foi fácil desconsiderar motivos e certezas e permitir a reaproximação de desafetos que se apresentaram hostis em determinado momento, pelo puro esquecimento que sempre me abençoou. Mas, e este mas é danado, eis o mais novo compartimento criado para o ruim excepcional, que de tão ruim não pode ser esquecido, unicamente, para nunca mais acontecer. É aquela tristeza-exceção que já perdeu seu amargor e serve apenas de constante alerta, luzes piscantes a lembrar: Cuidado! Esse mal é pungente e pode até matar de desgosto, pode trazer doença ruim! É um mal tamanho que às vezes atravessa a vida da gente, não retorna nem reverbera, e serve de lição. Apenas.

Crer é uma das mais complexas e completas ações. Não perder a crença pode demandar esforço imenso e continuo.

Às mulheres é reservada a condição de parir o mundo e tudo que nele se encontra. Sublime condição esta, plena de possibilidades. Sem dúvida requer desprendimento e bom coração, por sinal, este é requisito fundamental para todos, o bom coração.

É uma pena que subestimemos a suavidade.  

Infelizmente todos os dias vejo cães agressivos que acompanham pessoas sem a menor vocação para criar animais de estimação. Da mesma forma que o trânsito hostil é instrumento para que o frustrado exerça suas mais intimas limitações, os cães agressivos são os reflexos das limitações de seus donos. Criamos cães agressivos, criamos filhos agressivos, criamos um mundo agressivo. Em especial esta minha geração é a que mais falhou em sua responsabilidade de ofertar à vida filhos com o emocional saudável, solidários e justos. Cada vez mais enfatizo a nossa responsabilidade moral diante dos atos de nossas crias. Se menores, somos integralmente responsáveis, e se maiores nossos filhos, nossa responsabilidade moral jamais cessa. Nos perdemos entre a melhor orientação e o exemplo por nós apresentado. Relegamos nossa missão mais importante. 

Tenho conversado com amigas e conhecidas e aprendo que a maternidade não é obrigatória nem realizadora, por mais que nossa sociedade exija com fervor sua ocorrência. Tenho amigas que optaram por não ter filhos e se sentem bem com essa alternativa. No entanto, reconhecem que são exceção, assim como reconhecem a pressão externa, velada ou não. Afinal, temos por certa a realização que a prole propicia, bem como banalizamos as demandas do organismo quando se aproxima o fim da capacidade de procriação. Há pouco reencontrei amiga de muitos anos que, meio sem jeito, começou a conversa com o “fiz uma produção independente” - ora, querida, você é mãe e isso é o mais importante, muito legal, portanto, dependente ou independente são qualificações desnecessárias. Outra amiga quebrou o tabu, o acordo assumido com o namorado de muitos anos, próximo da menopausa engravidou e hoje dedica sua vida à cria. Às duas contraponho a bem sucedida experiência de poucas amigas que podiam ter filhos, mas exerceram outras opções. 
O único anseio que parece presente na vida das mulheres é o casamento. Todas, sem exceção, querem casar ao menos uma vez, para sentir a sensação de ser a escolhida de alguém. Somos super executivas, astronautas, médicas cirurgiãs, mas o casamento ainda faz parte do imaginário realizador não importam todas as demais conquistas. Por isso e ainda, principalmente com o passar do tempo, aceitamos cônjuges dependentes químicos, sem caráter, abusivos e desprovidos de bom coração. 
Aristófanes nos entendeu cerrados ao meio e desesperados para encontrar alguém que nos complete. Assim o desejo seria o cordão umbilical cortado, que está sempre conosco, sangrando e ansiando a união sem falhas. A questão estaria na completude exigida do outro. Entendo que essa exigência representa carga insana que jamais deveria ser transferida. Não é o marido (ou a mulher) que nos completa - essa, é função nossa. Com o tempo nos esquecemos da nossa própria inteireza. 

O perdão é o único antídoto realista que o amor oferece para ultrapassar as decepções inevitáveis da intimidade. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

You’d be so proud of us now



It’s me speaking


Hello, customer service, it’s me speaking,
yes, how may I help you?
I’m sorry ma’am, I know you’ve waited a long time in the queue
no, I cannot transfer you to my supervisor,
ma’am, protocol talks here, contracts, performance reviews,
bonuses for outstanding human resources,
and on the first of the month a cheque that doesn’t quite cover
the roots of grey hair.
(Ma’am, can’t you hear your baby crying?)


It’s me, a human answering service, speaking to you
twenty-four hours a day seven days a week
we are here, crowded together underground
from sunrise till the soul expires
in a place they call open space, neon-lit,
windowless, with a loo in the corner, a supervisor who listens in
and fines me when I impolitely force
the same package of lies on each person,
ma’am, it doesn’t matter what you say,
(your baby won’t stop crying)
every person has a price and a lie that lights
the way down from above.
How may I help you?

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Billie Holiday, Fine and mellow, 1957

Do psicopata de cada dia nos livrai

A quantidade de fãs é imensa e todos são aficionados pelas peripécias do protagonista da premiada série televisiva do psicopata cronico que mata outros psicopatas. “Ele é genial”, “é o outro lado do espelho”, “você é preconceituosa” são alguns dos inúmeros comentários que tentam justificar o forte apelo que  Dexter, “o cara do bem”, exerce. Como? Por favor, repita. Um psicopata homicida do bem?
Para ele nossa permissividade foi base da criação de duas categorias bizzaras antes inimaginadas: O “psicopata do bem” e o “psicopata do mal”, o primeiro, pelo entendido, o novo protótipo de justiceiro que lavaria a nossa alma de todas as injustiças e erros resultantes de um sistema policial e judiciário corrompido e inepto, não importam os métodos utilizados - certamente, um novo limite para a máxima dos fins justificantes dos meios.
Relembro experiência e imagino que seria possível, pela considerável revolta sentida na década de oitenta, que os então quartanistas da Faculdade de Direito quisessem o Dexter por perto para uma boa conversa com o entrevistado em pesquisa realizada na Penitenciária do Estado, um estuprador confesso de crime praticado contra uma garotinha de três anos e responsável pela enfática afirmação de que havia de fato estuprado e de novo estupraria. Não! Não seria esse o caminho. Era necessário que existisse alguma diferença - a grande diferença - entre aquele cruel psicopata e seu corretor. Afinal, se um psicopata nos protege dos demais psicopatas, quem dele nos protegerá? Talvez um terceiro psicopata, quem sabe.
Eu sei que meu desinteresse por Dexter me situa fora do grande oceano que rege suas marés com base nas aventuras desse novo protótipo de justiceiro e me faz confessar o meu estranhamento pelo forte fascínio que ele provoca, tanto quanto considero estranho o encantamento por vampiros e lobisomens assumido pela geração Crepúsculo. Há vários vieses nesses caminhos que fazem pensar.
A minha preocupação está no reflexo em nossos comportamentos diários e a presença do psicopata abusivo no local de trabalho, mas um bom técnico; o marido psicopata e violento, mas um ótimo provedor; o vizinho psicopata, mas um competente organizador de churrascos. Esse 'mas' é temeroso e tenta justificar os riscos aos quais nos expomos. Até que esse mesmo 'mas' inicie outra justificativa, a da essencia da própria psicopatia.


As pesquisas indicam que vez mais pessoas optam por obter na internet filmes (as salas de projeção estão em baixa) e capítulos de seriados. Considerando a péssima qualidade de serviço prestado pelas transmissoras da TV a cabo, que atrasam em demasia a apresentação de novas temporadas, insistem na sofrível programação dublada e repetem mil vezes cada episódio, eu também atualizo pela internet as séries de minha preferência para meu uso exclusivo. É uma pena que um serviço caro apresente resultado ruim. 
     

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Because, often, and now especially, I hear the sound of my own dress like the sound of two powerful wings opening and closing




Vigilant

The poet should be ever
vigilant, be above all tender.
Be willing to always fall from the sky for her,
take care the jazz loosens up his muscles.

He should be ever
vigilant that there’s entertainment to our
heart’s content, that we might mumble
the poet’s verses into a woman’s ear.

He should be ever
vigilant to be weak sometimes.
So than the wind will win against his hearing, whisper
lines to him with which he’ll build a body

around his finger.
For then the poet can say: o, embrace me,
time has yet to pass me by.


Maarten Inghels

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Martha Argerich - Scarlatti Sonata in D minor K141

O exercício da poesia, a busca verbal de finalidade desconhecida, a percepção das palavras

É duro escrever sobre descobertas áridas e aprendizados tão cruéis quanto necessários, pedaços feridos desprendidos, arrancados, cicatrizados e outros cuidados com o zelo do distanciamento e do tempo curadeiro, a constatação que o fim, ah, o nosso fim independe do nosso entendimento e até mesmo do nosso querer.
Recentemente e no momento certo, tudo parece estar ligado ao momento certo, iniciei a leitura do livro de Andrew Solomon, “O demônio do meio-dia uma anatomia da depressão” e enfeito suas páginas com adesivos coloridos, minhas bandeirolas pessoais que definem quais ideias e frases merecem releitura, quais devem ser repensadas e assimiladas com mais atenção. Esta não será leitura fácil, caracterizada pela fluidez habitual, mas um bom desafio para concordar, discordar, se entristecer, descobrir e concluir: É isso! Não é apenas isso! 
“A depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição. É a solidão dentro de nós mesmos que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo. Embora não seja nenhum profilático contra a depressão, o amor é o que acolchoa a mente e a protege de si mesma” ou a rasteira inicial, o primeiro soco no estômago, o empurrão violento e inesperado da pessoa amada que estatela a moça preterida no chão. A moça não merecia ser empurrada, ninguém merece ser empurrado.
Considere o temor que o desconhecido provoca, porque pouco sabemos sobre a depressão, e acrescente a dificuldade de encontrar bons profissionais de saúde que saibam lidar com essa enfermidade. Sim, a depressão é doença; um desequilíbrio químico dizem alguns (tudo é química, já repararam?) estigmatizado socialmente pela nossa imensa ignorância, nosso estúpido preconceito. Há o risco de, com o tempo, tornar-se a genérica “virose" dos diagnósticos médicos imprecisos e limitados - eu temo a futura banalização da depressão.
Fatores genéticos e o meio externo colaboram para o desenvolvimento da depressão, mas não são preponderantes. A tristeza profunda e momentânea não pode ser confundida com a depressão, muito menos o comportamento menos positivo ou otimista diante das agruras da vida. Seria bom (ou desastroso) se todos tivessem o leve, positivo e alegre modo tralalá conectado tempo integral, o que não é humano tampouco normal, porque a minha reação diante de alguma circunstância não é igual a reação de outra pessoa, cuja reação difere da terceira. Somos complexos e parte da nossa complexidade é decorrente da nossa formação, da nossa vida familiar, dos valores assimilados e tantas outras variantes possíveis. É o que faz com que os estudos sobre a depressão apontem possibilidades e parametros por vezes arbitrários e ineptos, afinal, lidamos com o complexo estado de espírito para o qual a equação C1 (MHPG) - C2 (VMA) + C3 (NE) - C4 (NMN + MN) / VMA + C0 = escore tipo D agrupa lindamente um monte de letrinhas sem qualquer nexo e define mostrengos esquisitos como o 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol, que nada mais é do que um composto que os não depressivos teriam em seus xixis. No entanto é quase impossível determinar até que ponto uma experiência específica conduz a um tipo de depressão.
A minha experiência, e só posso expor a minha experiência, inicia pela influência da depressão de alguém extremamente próximo, respeitado e amado: Minha mãe era depressiva e, às vezes, a depressão dela me fundeava, diminuía o meu "joie de vivre”; dedicar-se em demasia ao trabalho foi fuga (estudo recente determinou que o excesso de trabalho causa depressão) e também necessidade de suprir a limitação da equipe e dos recursos geridos por tantos anos; credulamente relacionar-se com pessoa abusiva deixaria a mais forte das criaturas depressiva; o enfrentamento solitário de doença grave pode ser motivo de depressão, assim como a descoberta parcial de informações fundamentais sobre si. Sem dúvida foi um amontoado de fatores costurados pela vida com esmero e criatividade ímpares. Um único desses elementos seria suficiente e o conjunto deles foi insuportável. E, cá entre nós, é mais do que dispensável o insensível e descabido comentário “você é forte”, porque para determinadas circunstâncias ninguém é.
No meu processo de cura desconsiderei o clínico geral que nos assiste em todos os males e pesquisei o psiquiatra mais adequado (não o neurologista, mas o psiquiatra). Cumpri religiosamente todas as orientações, afastei os focos e pessoas negativas, tomei os medicamentos nas dosagens prescritas: Venlafaxina, fumarato de quetiapina, bupropiona e cloxazolam. Remédio para dormir, para levantar, para viver e foi toda essa química usada para equilibrar a química do meu cérebro, que me fez tocar o fundo do abismo e nele me aconchegar até recuperar o fôlego para iniciar a subida à superfície. Cuidado! A medicação ajuda mas por si não cura, o esforço pessoal do enfermo é fundamental. Recuperar a fé foi essencial e não desacreditar do amor também. Após um ano, a depressão severa e incapacitante deixou de ocupar todo o espaço e desistiu de comandar minha vida. 
Para enfrentar a depressão considero importante a assunção da enfermidade da mesma maneira que alguém faria ao, por exemplo, comentar ser diabético ou alérgico a pelos de animais. Eu tenho depressão ou eu sou depressivo dito com a mesma normalidade do eu sou hipertenso, sem qualquer desconforto social. O depressivo não é mais fraco que os demais ou desequilibrado, como acreditam os preconceituosos e ignorantes. Procure o auxílio que estiver ao seu alcance e se afaste das causas da sua depressão, ou, no mínimo, diminua a influência que possuem sobre você. Engordar é uma das consequencias da depressão, não salutar é óbvio, mas inicie a arrumação do seu interno para depois se ocupar do exterior. Tenha paciência, aceite seu próprio carinho e dedicação. O tempo é fundamental para a cura assim como o amor. 
Para fortalecer a recuperação exercite o reconhecimento do seu próprio comportamento, das suas reações, e aprenda a se prevenir contra a depressão.
E aqui vai uma afirmação de entendimento temeroso, mas não menos verdadeiro: Se a depressão é a exaustão e a aridez emocional, o ausentar-se de si mesmo, a decadência e o caos, também é nascimento ou renascimento. É o refazer-se da ruína, uma das mais valentes e belas lições de vida. 

Nothing twice





“Nothing can ever happen twice.
In consequence, the sorry fact is
that we arrive here improvised
and leave without the chance to practice.

Even if there is no one dumber,
if you’re the planet’s biggest dunce,
you can’t repeat the class in summer:
this course is only offered once.

No day copies yesterday,
no two nights will teach what bliss is
in precisely the same way,
with precisely the same kisses.

One day, perhaps some idle tongue
mentions your name by accident:
I feel as if a rose were flung
into the room, all hue and scent.

The next day, though you’re here with me,
I can’t help looking at the clock:
A rose? A rose? What could that be?
Is it a flower or a rock?

Why do we treat the fleeting day
with so much needless fear and sorrow?
It’s in its nature not to stay:
Today is always gone tomorrow.

With smiles and kisses, we prefer
to seek accord beneath our star,
although we’re different (we concur)
just as two drops of water are.”

Wislawa Szymborska