Vinte e oito minutos. Vinte e oito minutos do dia vinte e oito.
Momento do balanço.
Arvore filho e livro, entregues para o mundo.
Trinta minutos. Géiser de letras.
A vida molda. De um jeito, ou, de outro, a vida sempre molda; muda a consistência da massa, lapida a pedra, desarruma cada trigo do campo com seu vento.
Somente agora entendi que foi necessário, temporariamente, virar meio dura, meio árida para prosseguir. Aquela que prevalecia não seria capaz de manter-se sem perder seu melhor.
Foi necessário enterrar, desenterrar, exumar, vestir o corpinho frio, alvo e mole com seus últimos sopros de ar saindo pela boca e não se perder.
A vida não vem com manual, prazo de validade, certificado de garantia e possibilidade de troca, ou, devolução. Vai desistir?
Pegue ai o manual, minha filha, procure na letra ‘e’ exumação, leia o significado, a receita de como fazer, o que sentir, como reagir. Não encontrou? Nem os sábios atenienses lhe ensinaram algo sobre isso?
Exumação, exumação, deixe-me ver os registros... Ah! Lembrei-me que na década de oitenta uma amiga de faculdade comentou que havia exumado a avó em Minas, e o quanto eu havia ficado mal impressionada com o detalhe dos cabelos brancos e compridos misturados com os ossos. Mas é isso? Só isso.
A receita para exumar quem durante um tempo mais se amou é a seguinte: Reúna um grupo de empregados do cemitério mais próximo e acompanhe a rotina. Não esmoreça quando um deles perguntar: "Mas a senhora assistirá a exumação sozinha?” Sim! O sim firme e cortante de quem finge que sabe o que virá pela frente e esgota qualquer possibilidade de manutenção do mórbido diálogo. Rigidez, utópica força. Desceu um – o mais moço da turma – para quebrar o cimento e tirar o que estava enterrado.
Momento do balanço.
Arvore filho e livro, entregues para o mundo.
Trinta minutos. Géiser de letras.
A vida molda. De um jeito, ou, de outro, a vida sempre molda; muda a consistência da massa, lapida a pedra, desarruma cada trigo do campo com seu vento.
Somente agora entendi que foi necessário, temporariamente, virar meio dura, meio árida para prosseguir. Aquela que prevalecia não seria capaz de manter-se sem perder seu melhor.
Foi necessário enterrar, desenterrar, exumar, vestir o corpinho frio, alvo e mole com seus últimos sopros de ar saindo pela boca e não se perder.
A vida não vem com manual, prazo de validade, certificado de garantia e possibilidade de troca, ou, devolução. Vai desistir?
Pegue ai o manual, minha filha, procure na letra ‘e’ exumação, leia o significado, a receita de como fazer, o que sentir, como reagir. Não encontrou? Nem os sábios atenienses lhe ensinaram algo sobre isso?
Exumação, exumação, deixe-me ver os registros... Ah! Lembrei-me que na década de oitenta uma amiga de faculdade comentou que havia exumado a avó em Minas, e o quanto eu havia ficado mal impressionada com o detalhe dos cabelos brancos e compridos misturados com os ossos. Mas é isso? Só isso.
A receita para exumar quem durante um tempo mais se amou é a seguinte: Reúna um grupo de empregados do cemitério mais próximo e acompanhe a rotina. Não esmoreça quando um deles perguntar: "Mas a senhora assistirá a exumação sozinha?” Sim! O sim firme e cortante de quem finge que sabe o que virá pela frente e esgota qualquer possibilidade de manutenção do mórbido diálogo. Rigidez, utópica força. Desceu um – o mais moço da turma – para quebrar o cimento e tirar o que estava enterrado.
Vai continuar? Como? Onde está você? Acorda!
Pois é, rapaz, pelo visto sobrou para você todo trabalho ai embaixo. O que vocês fizeram? Sortearam quem desce e quem fica? Quebrou-se o encanto. Nada de cabelos e impressões ruins. Faz parte da vida, apesar de não constar do manual.
Igualmente não se encontra no livro de regras e etiquetas o que fazer com os paramédicos parados no meio da sala de estar de sua casa a olhar para o mesmo corpinho alvo e frio sem nada para fazer. Não há qualquer registro sobre como reagir ao único choro explosivo do filho, ao definir que a avó amada não iria para qualquer instituto médico da vida.
Meu filho e a imensa dor por ele sentida ao presenciar a partida de alguém tão querido, fizeram com que eu encontrasse força.
Não lhe ensinei como agir e reagir por que eu mesma não sabia, mas estava ao seu lado para segurar as rédeas e, mesmo naquele momento, ao menos lhe garantir algum exemplo. Não irá! Por ele. É este o segredo: Por ele.
Por ele sai do consultório da endocrinologista com o papelzinho na mão que me orientava a procurar cirurgião de cabeça e pescoço. Mas que raio é esse de cirurgião de cabeça e pescoço. Onde encontro esse senhor? Ora, em frente ao hospital, na casa com a placa ‘cirurgia cabeça e pescoço’.
Por favor, quem é o melhor cirurgião da equipe? Perguntou para quem, menina? Para a recepcionista do consultório? Mas é lógico, não haveria indicação melhor. Você escolhe algum par de sapatos e pergunta para a vendedora se são confortáveis. Luz! Quando nos perdemos precisamos de luz.
A recepcionista virou a simpática Ana e o cirurgião o competente doutor com mais de trinta anos de experiência que não deixou um restinho sequer da glândula para contar história, e a quem tive que consolar – eu tive que consolar – quando ele abriu o envelope com o resultado da biópsia e descobriu que era câncer.
Em menos de seis meses quanto fingir que sabe e consegue.
Passei uma semana em total angustia misturada com desespero, solidão e choro para me acostumar com a idéia antes mesmo de saber o resultado dos exames, e logo após receber alta com a garantia que não havia qualquer possibilidade de câncer. “Parabéns! Fique tranqüila! Foram três horas de cirurgia, sua tireóide estava totalmente aderente, mas não havia qualquer sinal de malignidade!” O garotão aliviado deu um salto da cama ao lado, na qual descansava da espera da mãe.
Imaginaram que tudo estaria resolvido? Pessimista eu? Não. Simplesmente, eu sabia.
Logo após a cirurgia e na primeira longa noite sozinha no quarto do hospital, com o dreno apelidado de Totó pendurado no pescoço, não foi a presença do pai que sempre curou as dores que senti, mas a de minha mãe que não saiu do meu lado. Os especialistas em almas penadas dirão que havia passado pouco tempo da “passagem” da querida nonagenária e eu responderei que cada um sente e sabe o que sente.
Foi por ele, também, que decidi enfrentar o tratamento e seguir adiante. Virar sparkly girl, radioativa, injetada e combater o medo. Descer às catacumbas radioativas do doutor rádio e seus isótopos selvagens e voltar a pé para casa, ou, ir direto para o escritório e trabalhar.
Confesso que na fase da calibragem hormonal senti vontade de desistir, mas reconheço tanto esforço e acho uma pena largar de vez.
As regras que escrevi em meu manual serviram para mim.
Quem sabe podem ajudar mais alguém.
Para sobreviver ao câncer:
- Se afaste das pessoas egoístas, mesquinhas e ruins.
- Respeite seu tempo e ritmo.
- Aprenda a escutar seu organismo.
- Cuide do que entra e do que sai: Palavras, alimento, sentimento.
- Tenha um cachorro fiel, companheiro, carinhoso e brincalhão ao lado.
- Realize algo, trabalhe, produza de fato.
- Faça tricô.
- Aprenda a cozinhar com afeto.
- Curta a solidão. Jamais se sinta desolado.
- Ouça música.
- Leia poemas.
- Reconheça a magia e a beleza das cores do pôr-do-sol e do nascer do dia.
- Caminhe.
- Chore.
- Estipule e cumpra pequenos desafios diários.
- Aprenda coisas novas.
- Reconheça que a vida é esta, uma, única.
- Não desperdice tempo, nem sentimento.
- Desenvolva memória seletiva: Mantenha o bom e esqueça o ruim.
- Aprenda mais sobre gratidão e solidariedade.
- Reze.
- Perdoe.
- Ame.
Para sobreviver a funerárias e que tais:
- Aprenda a pintar.
- Mude a cor das paredes.
- Refresque a casa: Aromas, sol, ar, luzes e cores.
- Mude de quarto.
- Arrume os armários.
- Lave todas as porcelanas e cristais.
- Mantenha lamparina acesa.
- Aprecie fotografias antigas.
- Aprenda a plantar, a cuidar e a apreciar o crescimento.
- Respeite seu tempo e ritmo.
- Tenha um cachorro fiel, companheiro, carinhoso e brincalhão ao lado.
- Chore.
- Realize algo, trabalhe, produza de fato.
- Ouça música.
- Leia poemas.
- Reconheça a magia e a beleza das cores do pôr-do-sol e do nascer do dia.
- Caminhe.
- Estipule e cumpra pequenos desafios diários.
- Aprenda coisas novas.
- Desenvolva memória seletiva: Mantenha o bom e esqueça o ruim.
- Respeite seu luto.
- Reze.
- Perdoe.
- Ame.
Para realmente comemorar a vida após funerais e câncer:
- Ame.
Pois é, rapaz, pelo visto sobrou para você todo trabalho ai embaixo. O que vocês fizeram? Sortearam quem desce e quem fica? Quebrou-se o encanto. Nada de cabelos e impressões ruins. Faz parte da vida, apesar de não constar do manual.
Igualmente não se encontra no livro de regras e etiquetas o que fazer com os paramédicos parados no meio da sala de estar de sua casa a olhar para o mesmo corpinho alvo e frio sem nada para fazer. Não há qualquer registro sobre como reagir ao único choro explosivo do filho, ao definir que a avó amada não iria para qualquer instituto médico da vida.
Meu filho e a imensa dor por ele sentida ao presenciar a partida de alguém tão querido, fizeram com que eu encontrasse força.
Não lhe ensinei como agir e reagir por que eu mesma não sabia, mas estava ao seu lado para segurar as rédeas e, mesmo naquele momento, ao menos lhe garantir algum exemplo. Não irá! Por ele. É este o segredo: Por ele.
Por ele sai do consultório da endocrinologista com o papelzinho na mão que me orientava a procurar cirurgião de cabeça e pescoço. Mas que raio é esse de cirurgião de cabeça e pescoço. Onde encontro esse senhor? Ora, em frente ao hospital, na casa com a placa ‘cirurgia cabeça e pescoço’.
Por favor, quem é o melhor cirurgião da equipe? Perguntou para quem, menina? Para a recepcionista do consultório? Mas é lógico, não haveria indicação melhor. Você escolhe algum par de sapatos e pergunta para a vendedora se são confortáveis. Luz! Quando nos perdemos precisamos de luz.
A recepcionista virou a simpática Ana e o cirurgião o competente doutor com mais de trinta anos de experiência que não deixou um restinho sequer da glândula para contar história, e a quem tive que consolar – eu tive que consolar – quando ele abriu o envelope com o resultado da biópsia e descobriu que era câncer.
Em menos de seis meses quanto fingir que sabe e consegue.
Passei uma semana em total angustia misturada com desespero, solidão e choro para me acostumar com a idéia antes mesmo de saber o resultado dos exames, e logo após receber alta com a garantia que não havia qualquer possibilidade de câncer. “Parabéns! Fique tranqüila! Foram três horas de cirurgia, sua tireóide estava totalmente aderente, mas não havia qualquer sinal de malignidade!” O garotão aliviado deu um salto da cama ao lado, na qual descansava da espera da mãe.
Imaginaram que tudo estaria resolvido? Pessimista eu? Não. Simplesmente, eu sabia.
Logo após a cirurgia e na primeira longa noite sozinha no quarto do hospital, com o dreno apelidado de Totó pendurado no pescoço, não foi a presença do pai que sempre curou as dores que senti, mas a de minha mãe que não saiu do meu lado. Os especialistas em almas penadas dirão que havia passado pouco tempo da “passagem” da querida nonagenária e eu responderei que cada um sente e sabe o que sente.
Foi por ele, também, que decidi enfrentar o tratamento e seguir adiante. Virar sparkly girl, radioativa, injetada e combater o medo. Descer às catacumbas radioativas do doutor rádio e seus isótopos selvagens e voltar a pé para casa, ou, ir direto para o escritório e trabalhar.
Confesso que na fase da calibragem hormonal senti vontade de desistir, mas reconheço tanto esforço e acho uma pena largar de vez.
As regras que escrevi em meu manual serviram para mim.
Quem sabe podem ajudar mais alguém.
Para sobreviver ao câncer:
- Se afaste das pessoas egoístas, mesquinhas e ruins.
- Respeite seu tempo e ritmo.
- Aprenda a escutar seu organismo.
- Cuide do que entra e do que sai: Palavras, alimento, sentimento.
- Tenha um cachorro fiel, companheiro, carinhoso e brincalhão ao lado.
- Realize algo, trabalhe, produza de fato.
- Faça tricô.
- Aprenda a cozinhar com afeto.
- Curta a solidão. Jamais se sinta desolado.
- Ouça música.
- Leia poemas.
- Reconheça a magia e a beleza das cores do pôr-do-sol e do nascer do dia.
- Caminhe.
- Chore.
- Estipule e cumpra pequenos desafios diários.
- Aprenda coisas novas.
- Reconheça que a vida é esta, uma, única.
- Não desperdice tempo, nem sentimento.
- Desenvolva memória seletiva: Mantenha o bom e esqueça o ruim.
- Aprenda mais sobre gratidão e solidariedade.
- Reze.
- Perdoe.
- Ame.
Para sobreviver a funerárias e que tais:
- Aprenda a pintar.
- Mude a cor das paredes.
- Refresque a casa: Aromas, sol, ar, luzes e cores.
- Mude de quarto.
- Arrume os armários.
- Lave todas as porcelanas e cristais.
- Mantenha lamparina acesa.
- Aprecie fotografias antigas.
- Aprenda a plantar, a cuidar e a apreciar o crescimento.
- Respeite seu tempo e ritmo.
- Tenha um cachorro fiel, companheiro, carinhoso e brincalhão ao lado.
- Chore.
- Realize algo, trabalhe, produza de fato.
- Ouça música.
- Leia poemas.
- Reconheça a magia e a beleza das cores do pôr-do-sol e do nascer do dia.
- Caminhe.
- Estipule e cumpra pequenos desafios diários.
- Aprenda coisas novas.
- Desenvolva memória seletiva: Mantenha o bom e esqueça o ruim.
- Respeite seu luto.
- Reze.
- Perdoe.
- Ame.
Para realmente comemorar a vida após funerais e câncer:
- Ame.
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