Mamãe, hoje me lembrei de todos os aniversários surpresa que eu preparei para você, sempre com a ajuda de alguma amiga sua, que a tirava de casa para que eu pudesse arrumar tudo (as duas mesas de jogos de cartas montadas na sala de televisão) ou, que a convidava para tomar chá, no local que eu havia reservado para celebrarmos você. Todos os anos eu a surpreendi e não deixei de encomendar seus bolos preferidos: dos anjos da Cristallo e mil folhas da Dulca. Ô mãe, enquanto penso sinto uma pontinha de tristeza porque esses anos passaram tão rápido, e no quanto me esmerei para sempre agradar você. Queria que alguém se esmerasse assim, por mim, também.
Seu neto, seu adorado neto, é o responsável pela saudade que vivo hoje.
Sei que você está bem e você sabe sobre nossas vidas, você nos acompanha. Cuide dele, sempre, do seu menino, do nosso menino. Cuide de mim, mãe.
Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas, Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema. mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto - a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
Nuno Júdice
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