sábado, 14 de agosto de 2010

Emmanuel Pahud plays Bach

Rapidelas

Os corredores dos supermercados estão cada vez mais estreitos e o desconforto aumenta. Se essa é a nova onda, então, sugiro que as grandes redes providenciem sala de leitura para os aficionados em rótulos, comparações, contagem de calorias e composições dos diversos produtos, que costumam ocupar precioso espaço entre as gôndolas durante suas pesquisas. Que tal distribuir lentes de aumento para facilitar a vida dos clientes? Alguém entende de verdade o que está escrito nos diversos rótulos?

TV paga e a vantagem de assistir filmes, documentários, programas variados e aprimorar a audição para não desaprender o inglês, o francês, quem sabe se esforçar para entender alguma coisa do filme falado em alemão. Como? Programação dublada? Céus! Não é essa a ideia. Não é.

“O encantador de cães”, César Milan, e a insistente lembrança da importância da “energia calma e submissa” ao lidar com o cão. Assim, os cães desembestados, encapetados, traiçoeiros e agressivos, transformam-se em criaturas dóceis e companheiras. Alguém se candidata a vaga de encantador de pessoas?

Nosso cérebro leva em média dezoito anos para completar as sinapses entre os neurônios. Aos vinte anos começa a degeneração do cérebro. O tempo entre o apogeu e o início da degeneração desse órgão é exíguo. Nosso cérebro é admirável e possui plasticidade assombrosa. Extraordinário também é o avanço da nanotecnologia e das pesquisas para a cura de diversas doenças, para a conquista da longevidade saudável e de outros benefícios através do cérebro. Uma das palavras-chave é estímulo.

Segundo documentário científico transmitido pela TV, praticamente toda a população da Islândia teria o código de DNA arquivado para estudo. Uma das vantagens seria a do indivíduo conhecer sua propensão para contrair determinadas enfermidades (e a possível paranóia decorrente dessa descoberta). Outra vantagem seria a possibilidade de escolher o melhor parceiro para a constituição de prole com determinadas características. Não basta, por exemplo, ser atraente e saudável para conquistar determinada pessoa (lógico que bom caráter continua a ser fundamental). Assim, ao menos na Islândia, a constatação de afinidades entre um casal pode ultrapassar os limites habituais ao incluir a codificação genética. Aqui, por enquanto, não nos preocupamos sequer com o tipo sanguíneo do futuro parceiro. Será realmente necessário chegarmos a tanto?

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

You never need glasses to mark the contours of your house

It hurts to walk on new legs:   
The curse of consonants, the wobble of vowels.

And you for whom I gave up a kingdom
Can never love that thing I was.

When you look into my past
You see
Only
Weeds and scales.

Once I had a voice.
Now I have legs.

Sometimes I wonder
Was it fair trade?

*        *        *

She knows it’s neither strange nor hard
To raise children on graveyards.

All you need
Is a terrible deed –
Then you bury the dead,
And forget.

*        *        *

Listen to the song of the reed flute:
               It sings of separation.
Torn from the leaf-layered, wind-voiced
               Banks of the pond,
It is joined to sorrow and joy
               By a slender sound.
Who, asked Rumi, can understand
              The reed’s longing to return?
                       Let its raw lips rest then;
                       Let all words be brief then.

And I, O Believers, cried Rumi
                (Having lost the man he loved),
I who am not of the East
                Nor of the West, un-Christian,
Not Muslim or Jew, neither
                Born of Adam nor Eve,
What can I love but the world itself,
                What can I kiss but flesh?
                        Let my raw lips rest then;
                        Let all words be brief.

Ando calmamente nos arredores do verbo




Pausa à tarde para suco de frutas, sorvete e bom papo. É muito bom trocar ideias, compartilhar significados e experiências.




Imagem de Lilian Bassman

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Conversa filial - do avô para o neto

Eu sei, papai. A garotada de hoje não reconhece o valor e a qualidade de certas coisas. Acostumaram-se em demasia com jeans, tênis, camisetas e camisas esportivas. Bermudas e bonés. Cada jovem é despojadamente elegante. Às vezes o despojamento é excessivo.
Terno? O primeiro terno, meio a contragosto, foi considerado nas festas de quinze anos das amigas, o mesmo usado na formatura do colegial. Na formatura da faculdade a beca os poupou do terno completo. São padrinhos dos casamentos dos amigos e, finalmente, conseguem curtir e se sentem mais elegantes nos ternos bem cortados.
Querem impressionar na entrevista para o emprego desejado? Usam terno. Aprendem a escolher com mais atenção a gravata, a camisa e aos poucos descobrem outro tipo de elegância.
Nas minhas arrumações lembrei-me de você papai. Também me lembrei de uma entrevista do Antônio Ermírio de Moraes sobre os ternos do pai que ele usava. Mesmo que eu não tivesse me lembrado dessa entrevista, confesso que fiquei encantada ao rever seus ternos e seu smoking. Mamãe fez questão de guardá-los todos esses anos. Imaginei como os apresentaria ao seu neto, para que ele os reformasse e os aproveitasse.
Fiquei cheia de dedos porque os jovens que passaram a usar ternos, os compram prontos em lojas masculinas e desconhecem as peças de alfaiataria feitas sob medida. Foi num sábado de manhã, na TV passava o “Poderoso Chefão”. Lá estava Al Paccino, um pouco antes da cena do batismo do sobrinho, com um terno idêntico ao seu (três peças, colete incluso). Foi a minha deixa: Apresentei ao seu neto as roupas do avô guardadas pela avó. Ele escolheu o que queria e deixou de lado os conjuntos safári que serão doados. Agora, papai, o próximo passo será encontrar um bom alfaiate.
Ah! Seu neto xará também mostrou interesse por suas canetas e seu relógio preferido. Ele merece. 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cão adoecido

O cão adoeceu. Um senhor cão de onze anos, pelos brancos no focinho e no alto da cabeça. Tosse sofrida acompanhada por vômito e falta de ar. Horas seguidas.
O primeiro veterinário definiu o antibiótico para os vinte dias seguintes. O segundo veterinário solicitou exames para descartar de vez enfermidade cardíaca: Raio X, eletrocardiograma, ecodopler e providenciou injeção de antialérgico e corticóide. Após dez dias reforçou o mesmo medicamento em comprimidos e foi sincero: Não sabia o que o cão tinha. A terceira veterinária informou que esse mal estar era coisa sem cura, decorrente da idade. A quarta veterinária, plantonista do hospital especializado, providenciou exame de sangue e ensinou novo termo: traqueite. O quinto veterinário manteve o cão no soro, acrescentou injeção com antibiótico e solicitou ultrassom. O ultrassom foi feito da ponta da orelha cumprida até as patas traseiras. Após alguns dias, mais uma injeção de antibiótico. Vieram as observações caseiras: O mal estar era mais forte à noite, madrugada adentro. Cansaço. Fiz massagens e apoiei minha mão no cão em suave pressão. Minha mão formigava e ele se acalmava. Numa semana duas noites inteiras sem dormir e noutra, três. Não eram noites compostas por cochilos relaxantes, ao escrever sem dormir quero dizer alerta, sem dormir nem no dia seguinte, de manhã ou à tarde. Não acreditei que meu organismo aguentaria. Após a terceira noite da segunda semana fui à minha médica e pedi arrego. Durante o dia eu chorava e o choro foi a minha válvula de pressão. Chorava ao ouvir determinada música, ao assistir a algum filme. Fiquei de olho no cão o tempo todo. Foi o meu tempo de retribuir uma pequena parte dos onze anos de alegria e fidelidade inquestionável. Foi o nosso medo de doença grave e do fim deste peludo que nos considera sua matilha. Seguramos nossas ideias e as compartilhamos com extremo cuidado: Meu filho e eu nos poupamos o máximo que pudemos. Um casal de idade, antigos moradores de casa próxima, deixou seu boxer de três anos no local de trabalho de meu filho. De imediato o telefonema: Adivinha o que está em minha frente. A mesma brincadeira de adivinhação de onze anos atrás com o filhote cão na mão. Desconsideramos que companhia canina poderia auxiliar a recuperação deste senhor. O controle da traqueite trouxe a cura e nossa alegria. Os dias frios da semana passada vieram acompanhados de nova onda de tosse. Agora mantenho o mesmo zelo, mas descartei o temor de enfermidade severa, apesar dos onze anos do cão. Nosso amor é persistente.

Emburrecimento espontâneo

A pausa foi necessária. Desligar-me da internet, das informações sem fim. De repente percebi quantas horas eram gastas por dia na atualização de sites, nas inúmeras leituras, nas revistas, blogs, jornais, emails, na assimilação das notícias mundiais, novidades da ciência, tratamentos médicos. Confirmar a máxima do eu nada sei e quanto mais aprendo mais tenho que aprender aliado à angústia do conhecimento infinito ao alcance das pontas dos dedos e da conexão rápida. Horas sentada, encostada em almofadas, esparramada no colchão, na poltrona, no sofá. O corpo a demandar atividade enquanto a mente superlotada pedia arrego. A simplicidade e sabedoria da pergunta básica: Para quê?
No primeiro dia de abstinência internética, acompanhada por panos de pó, arrumei meus livros, organizei-os, descobri exemplares interessantes não lidos. No segundo dia, alcancei ilhas isoladas pelo respeito aos bens que não eram meus, mas por herança integraram-se ao meu mundo: fotografias, cartas, papéis, exames, muitas coisas guardadas em malas de couro imensas e antigas, com fechos simples – como viajavam pelo mundo com malas sem cadeados, sem segredos, em navios, portos, aviões, aeroportos? Sentada no chão, o cão deitado ao lado, li, admirei, rasguei, guardei, organizei, separei o que seria doado do descarte. No final de cada dia, o corpo cansado, senti prazer com os diversos resultados. Finalmente, aprendi a parar, a considerar horário, a respeitar-me mais. Foram anos seguidos de desconsideração do tempo informado para o final do expediente e de horas em excesso dedicadas para dar conta das demandas abusivas. Não mais. Chegada a hora previamente estipulada, aprendi a parar para iniciar o relaxamento diário. Aprendi a dedicar mais tempo aos afazeres antes corridos, a curtir todos os procedimentos e entregar-me com qualidade.
Tornei-me mais eficaz no manuseio de minha agenda e, tempo de copa do mundo, a encontrar pausas para curtir os jogos de meu interesse – céus! descobri que realmente gosto de futebol e me encanto com as boas partidas. Torci, soltei gritos de incentivo, fiquei chateada com alguns jogadores e juízes, dei pulos e após cada reação tão espontânea eu ria da minha própria atitude: Aprendi a me soltar mais.
Observei alguns móveis, pesquisei e com o cão caminhei até a marcenaria escolhida para os reparos tão necessários. Com essa minha nova brincadeira a primeira televisão colorida, acondicionada pelo fabricante em belo armário de madeira, foi retirada e o novo armário foi integrado à sala, bem embaixo do portrait pendurado na parede. Foi tempo de consertos.
Confesso que gostei muito da minha nova conquista: A capacidade de ficar semanas seguidas sem ligar o computador.

domingo, 8 de agosto de 2010

Pais

É tempo do amoroso carinho, da terna lembrança, da saudade, do perdão, do reconhecimento da escolha certa, do constante bom exemplo, do resgate concluído.
É possível que a paternidade compreenda a vocação. O ateniense era pai vocacional. Meu norte e força. Minha maior afinidade. Minha identificação.