segunda-feira, 10 de maio de 2010

Nos grandes infortúnios da vida cobramos coragem quando somos o sustentáculo de uma criança. A inquietação que temos pela criança sustenta uma coragem invencível

Ontem, meu filho veio seguido pelo cão ao meu quarto e sugeriu, ou melhor, definiu a programação do dia das mães. Entregou-me meu presente, disse que tomaríamos nosso café da manhã na doceria que eu mais gosto, depois, almoçaríamos no shopping e iríamos ao cemitério depositar flores no túmulo da yayá (vovó em grego).
Hum. Olho para o cão, abro meu presente, agradeço e resolvo que, pela primeira vez, eu quero ser a mãe e quero que o meu dia seja de um jeito diferente, para nós, mãe e filho, dois adultos com vinte e um anos de diferença.
Apesar da tentadora ideia eu considerei o horário e descartei o café da manhã na doceria preferida. Sugeri que meu filho descesse com o cão para o primeiro passeio diário e enquanto isso, eu tomaria um bom banho lavaria e secaria o meu cabelo (haja tempo para secar o cabelo).
Com vontade de boa refeição árabe, fomos à Brasserie Victoria, o melhor restaurante árabe da cidade de São Paulo. Não há outro igual, não há outro com a qualidade e a tradição do Victoria, desde a sua inauguração, na rua 25 de março, há mais de trinta anos. O segredo? Bons ingredientes e a constante presença do dono (atualmente, são os netos da dona Victoria que tocam o negócio, principalmente, a feitura de cada produto servido).  
Ao mudarem para o bairro do Itaim, minha mãe, meu garotinho e eu íamos à Brasserie, no mínimo, quinzenalmente e nas tardes, durante a semana, a idosa dona Victória sentava-se à nossa mesa e comentava sobre sua vida e me dava conselhos.
Lembro que garota eu ia com minha mãe comprar massa fina, muito parecida com papel vegetal molinho, para o preparo dos deliciosos doces gregos que a ateniense fazia. Era o genro da dona Victória que nos atendia e foi o genro da dona Victória que, nesse domingo, lembrou-se da simpática e adorável dona E. e após carinhosa conversa me presenteou com quatro trouxinhas de tule repletas de amêndoas coloridas. "Você tem bolsa, minha filha? Coloca essas amêndoas dentro da sua bolsa."
Foi a alegre neta da dona Victória que fez a maior festa ao me ver e emocionada comentou sobre minha mãe, trocou ideias com meu filho e combinamos almoço durante a semana para colocarmos a vida em dia.
Nós não fomos ao cemitério, mas a minha mãe nos encontrou e ficou conosco o tempo todo.
Ah, lembram que comentei sobre a simpática filha da poetisa Cora Coralina, nossa vizinha durante anos? Pois lá estava ela, no mesmo restaurante, com o filho, a nora e a netinha. Comentei com o garotão sobre essa adorável coincidência de pensar nas pessoas e encontrá-las, mas não me aproximei para não atrapalhar o almoço da família.
Esta vida é uma delícia e grande parte do seu melhor está nas lembranças que mantemos, apesar do tempo, apesar da própria vida.

Citação de Bachelard

Social Media Revolution


Considere as informações deste vídeo objetivamente. Não há como negar o fenômeno e a eficácia das redes sociais.
Uma preocupação imediata: Corremos o risco do sufocante too much information. Do I really need this? 
Sem dúvida ingressamos em nova fase mundial.

Dear Yoko, we are sending our messages to you

Mrs. Ono-Lennon tem um site super transado e cheio de informações interessantes.
Ela não abandonou a proposta criada com o famoso marido e propaga a paz ("think peace, act peace, spread peace") alimentando o velho sonho ainda não realizado.
A interação da famosa Yoko Ono, aos 77 anos, conosco é pioneira e invejável. Todas as sextas-feiras, através do Twitter, ela recebe perguntas e em seu site responde, em média, entre 10 e 15 perguntas recebidas. Responde mesmo! 
Faça a sua pergunta na próxima sexta-feita e mande pelo Twitter com o seguinte hashtag: #yokoQandA

Arise, then, women of this day


Dias das mães. Talvez a origem desta comemoração tenha ocorrido em 1870, com o manifesto da corajosa norte-americana Julia Ward Howe. À época, a convocação para a conquista da necessária paz. Hoje, o mundo ainda precisa de paz.

Mother’s Day Proclamation

"Arise, then, women of this day!
Arise, all women who have hearts,
Whether our baptism be of water or of tears!

Say firmly:
“We will not have great questions decided by irrelevant agencies,
Our husbands will not come to us, reeking with carnage, for caresses and applause.
Our sons shall not be taken from us to unlearn
All that we have been able to teach them of charity, mercy and patience.
We, the women of one country, will be too tender of those of another country
To allow our sons to be trained to injure theirs.”

From the bosom of the devastated Earth a voice goes up with our own.
It says: “Disarm! Disarm! The sword of murder is not the balance of justice.”
Blood does not wipe out dishonor, nor violence indicate possession.
As men have often forsaken the plough and the anvil at the summons of war,
Let women now leave all that may be left of home for a great and earnest day of counsel.
Let them meet first, as women, to bewail and commemorate the dead.
Let them solemnly take counsel with each other as to the means
Whereby the great human family can live in peace,
Each bearing after his own time the sacred impress, not of Caesar,
But of God.

In the name of womanhood and humanity, I earnestly ask
That a general congress of women without limit of nationality
May be appointed and held at someplace deemed most convenient
And at the earliest period consistent with its objects,
To promote the alliance of the different nationalities,
The amicable settlement of international questions,
The great and general interests of peace."

Rapidelas

Considero importante tirar fotos de filhos, animais de estimação e plantas. Tirar fotos de pessoas queridas. As imagens se transformam no acalento, na lembrança da mudança, da evolução, no aconchego que a visão diária não nos proporciona. Nosso olhar se acostuma, pratica a adaptação constante ao tempo atual. Aquela muda mirrada transferida com cuidado e carinho para o vaso maior, hoje é esta árvore mais alta do que eu. É bom visitar as imagens antigas para apreciar melhor o que está a nossa volta, para entender melhor como a vida tudo transforma.

Sobre certas coisas, pessoas e situações eu pergunto por quê? Sobre outras eu pergunto pra quê? Às vezes nada pergunto, pra não desencantar de vez.


Não queira compreender sozinho como funciona a mente de alguém diametralmente oposto. Sozinho ninguém compreende

Ando cada vez mais impressionada com a abrangência das redes sociais. Vem aquela sensação interna das inúmeras possibilidades ainda pouco desenvolvidas. Há tempos não sentia esta impulsão onírica, esta inquietação gostosa por mim carinhosamente denominada delírio.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Roupas no varal Deus seja louvado entre as coisas lavadas

Ontem, finalzinho de tarde, começo de noite, liguei a TV e iniciava o filme “A falecida”, 1965, de Leon Hirszman, com Fernanda Montenegro, Ivan Cândido, Nelson Xavier e Paulo Gracindo. Os filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues, quando bem encenados, são desconcertantes e com simplicidade extrema atordoam qualquer um. Pois lá se desenrolava a saga de Zulmira, casada, moradora do subúrbio carioca, com duas ideias fixas na cabeça: A prima loira e o preparo de sua própria morte – sua necessidade do melhor e mais luxuoso caixão e cortejo funerário, tamanha riqueza que a cidade do Rio de Janeiro jamais vira. Zulmira tornou sua vida pesada. Buscou os conselhos de uma cartomante e considerou as mensagens recebidas indubitáveis; ingressou em algum culto evangélico e, em grupo, entoou hinos religiosos em praça pública; fechou seu corpo e sua mente e tornou a vida de seu marido outro inferno paralelo.
A única cena de real prazer e liberdade de Zulmira ocorreu durante uma chuva forte, na qual a personagem se solta e os gestos elegantes de Fernanda Montenegro transmitiram toda a emoção. Aquela foi a única vez que Zulmira foi feliz de verdade.
O drama de Zulmira começou na noite de núpcias graças às atitudes higiênicas de seu marido, que lavava as mãos imediatamente após a intimidade do casal. Essa atitude feria Zulmira, dava-lhe a sensação de que o marido a desprezava, a considerava impura. Daí ao encontro furtivo com um estranho no banheiro da Confeitaria Colombo foi um pulo e o amante ensinou à Zulmira o prazer desconhecido. Alguém duvida que a vingança contra o marido higiênico não se transformaria em culpa? A culpa de Zulmira foi personificada na prima loira. Mais não conto.
A tristeza toda está na ausência de diálogo verdadeiro entre o casal e na incapacidade de um simples posicionamento da mulher: Ei, meu marido, pra que lavar as mãos depois de ficarmos juntos? ou coisa parecida. Zulmira não teve essa naturalidade e complicou demais sua vida, sem necessidade.
 

Do tempo que Pelé era Ademir

Hai-Kais de Leminski

Good Goes Campaign Video



Por favor, assistam a este vídeo. São as ações de cada um que fazem a verdadeira diferença. Não adianta a lei máxima de qualquer país, a famosa constituição, garantir saúde a todos os cidadãos. Os diversos governos demonstram-se incompetentes, imaturos, descuidados. Se nós dedicarmos uma parte do nosso melhor,  muitos problemas serão resolvidos. Não percamos nossa condição de ficarmos indignados diante da miséria e da doença. Deixemos de lado nossa apatia e indiferença. O mundo todo repercute em nossa casa, em nós.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Rapidelas

Eu pressuponho (afirmo antecipadamente), portanto, eu não dialogo.
Silogismo bobinho este.
Quem pressupõe é incapaz de dialogar.
No máximo monologa com o risco adicional de discordar de si mesmo.

*        *        *

Oh! Dúvida cruel! Quem pode ajudar?
Qualquer ortopedista diz: Durma de lado, coluna bem ajustada, travesseiro na altura do ombro.
Os dermatologistas afirmam que o certo é dormir de barriga para cima, para evitar as rugas no pescoço e o sulco nasogeniano, conhecido por bigode de chinês.
Céus! Como dormir para que a coluna não chie e as rugas não se acentuem?
Falamos sobre insônia?

How strangely still! no sound of life or joy

To that gaunt House of Art which lacks for naught
Of all the great things men have saved from Time,
The withered body of a girl was brought
Dead ere the world's glad youth had touched its prime,
And seen by lonely Arabs lying hid
In the dim womb of some black pyramid.

But when they had unloosed the linen band
Which swathed the Egyptian's body, - lo! was found
Closed in the wasted hollow of her hand
A little seed, which sown in English ground
Did wondrous snow of starry blossoms bear
And spread rich odours through our spring-tide air.

With such strange arts this flower did allure
That all forgotten was the asphodel,
And the brown bee, the lily's paramour,
Forsook the cup where he was wont to dwell,
For not a thing of earth it seemed to be,
But stolen from some heavenly Arcady.

In vain the sad narcissus, wan and white
At its own beauty, hung across the stream,
The purple dragon-fly had no delight
With its gold dust to make his wings a-gleam,
Ah! no delight the jasmine-bloom to kiss,
Or brush the rain-pearls from the eucharis.

For love of it the passionate nightingale
Forgot the hills of Thrace, the cruel king,
And the pale dove no longer cared to sail
Through the wet woods at time of blossoming,
But round this flower of Egypt sought to float,
With silvered wing and amethystine throat.

While the hot sun blazed in his tower of blue
A cooling wind crept from the land of snows,
And the warm south with tender tears of dew
Drenched its white leaves when Hesperos up-rose
Amid those sea-green meadows of the sky
On which the scarlet bars of sunset lie.

But when o'er wastes of lily-haunted field
The tired birds had stayed their amorous tune,
And broad and glittering like an argent shield
High in the sapphire heavens hung the moon,
Did no strange dream or evil memory make
Each tremulous petal of its blossoms shake?

Ah no! to this bright flower a thousand years
Seemed but the lingering of a summer's day,
It never knew the tide of cankering fears
Which turn a boy's gold hair to withered grey,
The dread desire of death it never knew,
Or how all folk that they were born must rue.

For we to death with pipe and dancing go,
Nor would we pass the ivory gate again,
As some sad river wearied of its flow
Through the dull plains, the haunts of common men,
Leaps lover-like into the terrible sea!
And counts it gain to die so gloriously.

We mar our lordly strength in barren strife
With the world's legions led by clamorous care,
It never feels decay but gathers life
From the pure sunlight and the supreme air,
We live beneath Time's wasting sovereignty,
It is the child of all eternity

Mulheres que amam de mais por se amarem de menos

Te perdôo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais
Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão
Por bateres em mim
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)
Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair

Chico Buarque

Cada vez observo mais mulheres capazes de aliar a culpa à traição e carregar esse peso para o resto da vida (e dos futuros relacionamentos, se é que algum dia conseguirão manter algum relacionamento sadio). Explico melhor: São mulheres apaixonadas e crédulas – toda mulher apaixonada é crédula - que foram traídas por seus companheiros com tal maestria, a ponto de acreditarem que elas deram todos os motivos que resultaram na traição.
É de amargar ser traída e ainda por cima sentir-se culpada por ter sido traída. Lembra a crença da doença resultante dos mandos e desmandos das “vidas passadas”: ora, alguém está doente e ainda deve sentir-se culpado por alguma coisa que, possivelmente, fez em, digamos, 1459?
Os sinais de que algo não vai bem são expostos com claridade cristalina no dia-a-dia: São as pequenas brigas, ou as brigas silenciosas, os gestos, os olhares, o tom de voz, as ironias escancaradas ou disfarçadas.
Todos sabem, todos sentem, alguns até pressentem. Eu não sei qual é a solução para essas crises que acontecem com quase todos os casais, mas não acredito que a inclusão de uma terceira, quarta ou quinta pessoa, que satisfaça afetuosa e sexualmente um dos cônjuges seja a melhor solução. Não é.
Encarar o problema com verdade e respeito parece ser a melhor pedida. Dar um tempo? Não sei se este artifício vale para todos. Você não está feliz e mantém relacionamento paralelo sério, ora, conclua um dos relacionamentos, saia de casa, construa outra vida. Ah, é complicado sair de casa porque a casa é da parceira, então, arrume suas coisas e vá para um flat, para a casa de um amigo, de algum parente querido. E os filhos? Filhos nunca seguraram casamento algum. Existe a questão patrimonial? Isso também se resolve com uma boa conversa e caso os ânimos fiquem acirrados, com o auxílio de um bom advogado. O que não pode ser, o que não cabe mais num mundo que evolui e necessita de ações cada vez mais honestas e verdadeiras, é a manutenção de comportamentos do século XIX e as barreiras que, então, eram impostas pela sociedade.
É necessário assumir-se integralmente para depois assumir o outro. É simples, acreditem. Requer coragem, respeito e honestidade.

Imagem de Lilian Bassman 

O risco travestido de normalidade

Opa! Zapeando a TV encontrei comercial assustador (para mim assustador) sobre o jogo de pôquer, as habilidades de um bom jogador, a desconsideração do fator sorte e o convite para ingressarmos no maravilhoso mundo da jogatina, gratuitamente, através de determinado site promotor de campeonatos.
Quando eu era criança, eu ouvia que fortunas inteiras haviam sido perdidas nas mesas de pôquer.
No clube que eu cresci havia a sala de jogos, por anos frequentada por meus pais, ambiente vedado aos menores de idade. Minha mãe jogava buraco e pontinho com suas amigas a custo baixíssimo, o que permitia uma tarde inteira de diversão. Na mesa de pôquer que meu pai jogava - sempre os mesmos amigos jogadores - determinavam cacife irrisório para que não houvesse prejuízo significante. Meus pais jogavam cartas somente naquele ambiente seguro, nos finais de semana e iniciaram essa atividade quando tinham quase sessenta anos. Não correram o risco de se transformarem em ludopatas, nem de perder o conforto da família na mesa de jogos.
O assustador comercial do site de pôquer deixou-me muito preocupada com a facilidade e a abrangência de acesso, aliada à ausência de explicação sobre o possível vício e a perda financeira.
Como devemos estar alertas e quantas coisas nós devemos explicar aos nossos filhos.

Imagem obra de Georges Seraut

O nosso, o nosso, o nosso e o resto

Outro dia, enquanto eu esperava o cão na petshop, o céu ficou negro e a chuva mais parecia o início de um novo dilúvio.
Em pouquíssimo tempo, as pessoas que caminhavam na calçada ficaram com seus tornozelos dentro da água acumulada. Aquela rua nunca ficou alagada: É plana, larga, bem cuidada, travessa de ruas em declive.
Como chuva e cão cheiroso, devido ao banho recém tomado, não combinam, não houve alternativa salvo esperar o projeto de dilúvio passar.
O nível de água na rua subia e danificava os carros regularmente estacionados, mas, interessante: na petshop, que passou por recente reforma - subiram um andar, abriram o subsolo para estacionamento de carros - nenhum pingo da água acumulada na rua alcançou seu espaço. A explicação era óbvia e foi dita por um dos empregados da loja, prontamente calado, coitado, por sua colega mais esperta: Instalaram bombas ou sei lá qual dispositivo, que impedia a entrada de água da chuva no imóvel, resultando no nível anormal de água acumulada na rua.
Ora, vale proteger seu patrimônio, sim, mas em detrimento do patrimônio do outro? Proteger sua garagem recém construída no subsolo e prejudicar as pessoas que caminhavam com água na altura dos joelhos? Eu nada comentei, mas meu rosto sempre diz tudo e o rapaz falante concluiu: “Assim que a chuva parar as bombas diminuirão o nível da água da rua rapidinho”.
Rua que passou a ficar alagada, risco de contrair enfermidades pelo contato com a água suja, carros regulamente estacionados danificados e o imóvel protegido por um sistema subterrâneo qualquer, causador do alagamento na via pública. Ou seja, o dono da petshop adquiriu o direito de controlar o nível de água da rua.
Será que existe alguma licença especial emitida por órgão público competente para tal feito? Somos tão cautelosos com o que é nosso e prejudicamos os demais: Essa não é forma honesta e correta de agir.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

I long, as does every human being, to be at home wherever I find myself.


Saul Steinberg

Aniversário de minha mãe

In my mother’s day
women were provable.
My mother sat next to my grandmother
and both were completely of flesh and bone.

I am barely a stable outcome
of that surplus of reality.

And in the anxiety of the indefinite past,
in the durative aspect of electing,
I write now: an elegy.

In my mother’s day
women were abiding,
completely bone and flesh.
My mother put on the necklace
of silver and turquoise stones
my father had brought her from Sweden
and sat at the table like some exotic spices,
so that everything would become larger than life
and any fiction possible.

In my mother’s day, women
were a crux: my mother told
my brother and me: ‘when I came out of school,
I went to where my father worked,
in Santa Fe, and his workmates told him she’s a biscuit,
your daughter’s a biscuit, and I never knew what they meant,
saying I was a biscuit’, a sponge cake when she was very sick,
exquisite porcelain for us still,
and my brother pressing her for more: ‘And?’

I don’t know what a biscuit is. Some exotic spice,
something, in any case, special? Perhaps
she roamed delicately round the house, brushing her eighties
as one brushes a wound
with a bit of gauze.

In my mother’s day
women were very visible.
My mother looked at herself in mirrors
and I never managed to take in
her image with my eyes. She was beyond me
and I intuited her from afar like something yearned for.

Like now,
an elegy.

To the adorable little girl
fixed in the remoteness of the photo,
who at eight already seemed
larger than life: I miss you,
although I did not know you. That was before
you gave me life
in a barely natural size.

All the same,
an elegy.

And to the other one of the photo that I hope
to conserve, the beautiful woman who holds
the book before her daughter aged one year
in the sham of reading:
I love you for what lasts, and it is sufficient
to read in the present, although your star’s
gone out.

For her,
an elegy.

Now I am the photograph
and you the developing fluid. Your death
turns me into myself: like an applied science,
I am cause and effect,
trial and error, this void
of nothingness that beats against the heart
like an empty husk.

An elegy,
more and more right each time.

domingo, 2 de maio de 2010

Spread peace

A criança que subsiste em nós deve tornar-se realmente o sujeito de nossa vida de amor

Segundo dia de exames, tive que sair cedo de casa, antes das sete horas da manhã. Pedi carona para meu filho, que me deixou no mesmo laboratório do dia anterior. Mais exames, seis de imagem e a diferença de atendimento dos diversos médicos.
Eu quero saber o que é encontrado, qual a avaliação, possibilidades, potencial malignidade. Eu quero ouvir opiniões. Eu não sou um corpo que se submete à geléia gelada e ao aparelho que leva as imagens do meu interior ao visor. Eu tenho uma mente curiosa e não quero esperar quinze dias para saber o que eu devo saber agora.

O último médico, igualmente gentil e eficaz, ao explicar o resultado do exame comentou sobre seu fascínio por Meryl Streep, sobre suas aulas de canto e sapateado e sobre a apresentação que fez no teatro do SESC. Aquele médico manauense, apaixonado por artes tanto quanto pela sua profissão, devolveu-me o ânimo que eu precisava para encerrar a maratona da semana.

Ao sair do laboratório eu vi um rapaz com a testa ensanguentada. Ao me aproximar aflito ele repetia: “Não vá por aquele caminho”. Outra senhora aproximou-se e após acalmarmos mais uma das inúmeras vítimas de roubo (levaram sua carteira, mas ele impediu que levassem o notebook e por isso apanhou) desta cidade sem qualquer proteção, seguimos, a senhora e eu, pelo caminho tão avisado. Eu não quero ter medo de andar pela minha cidade. Não quero.

Meu filho ligou para meu ex-namorado a quem ele chamava de pai nº 2. Foram quase treze anos de relacionamento, o melhor companheiro e o mais querido do meu filho e dos amigos dele, no começo, todos garotos de sete anos, não mais. Pelo comentário do pimpolho foi o telefonema que eu gosto de fazer: sem me identificar engatar de imediato a conversa para receber a reação mais genuína possível. Gargalhadas de ambos os lados, lógico que o mote foi o jogo do Corinthians contra o Flamego. Também conversaram sobre a vida e trabalho. Conselhos profissionais recebidos, saudades diminuídas, esse telefonema deixou-me feliz pela iniciativa de meu filho e pela recompensa do esforço que dediquei desde que me divorciei: jamais permitir a aproximação de minha família de alguém que não tivesse valores e caráter. Ao menos, eu me esforcei bem. 
Dois anos após desmancharmos, ele se casou com minha xará e hoje tem dois filhotinhos lindos. Eu sei que posso contar com ele, como ele também sabe que pode contar comigo e com a minha constante torcida em favor de sua felicidade.

O Facebook tem se mostrado excelente meio para encontrar pessoas há anos desaparecidas de minha vida. Amigas do tempo de escola, do clube, a irmã do ex-namorado citado acima, e pessoas que me conhecem desde eu que nasci. É reconfortante retomar raízes e relacionamentos que fazem bem. É muito bom colocar a vida em dia.

O querer bem é fundamental. Desejar o mal é perda de tempo, é energia desperdiçada, é o desconhecimento que o mal desejado também se aloja em nós. Quando é impossível desejar o bem, quando você esgota sua elástica sublimação, então, não deseje nada. Infelizmente há vezes, raras vezes, nas quais o nada é o máximo.

Imagem de Lilian Bassman
Citação de Bachelard

In small towns by the river we all want to walk with the gods

Remembrance

Why did we think it was trivial
that it would rain every summer,
that nights would be still with sleep
and that the green fern would uncurl
ceaselessly, by the roadside.

Why did we think survival was simple,
That river and field would stand forever
invulnerable, even to the dreams of strangers,
for we knew where the sun lay resting
in the folded silence of the hills.

This summer it rains more than ever.
The footfall of soldiers is drowned and scattered.
In the hidden exchange of news we hear
that weapons are multiplying in the forest.

The jungle is a big eater,
hiding terror in carnivorous green.

Why did we think gods would survive
deathless in memory,
in trees and stones and the sleep of babies;
now, when we close our eyes
and cease to believe, god dies.

For as long as remembrance
men stared at fire and water.

We dwell in the mountains and do not know
what the world hears about us.
Foragers for a destiny,
all the days of our lives
we stare at the outline of the hills,
lifting our eyes to the invincible sky.

*        *        *

No more dreams

The days are nothing.
Plant and foliage grow silently,
at night a star falls down,
a leopard leaves its footprints.

The wind blows into my eyes
sometimes it stirs my heart
to see the land so plain and beautiful.

If I sit very still
I think I can join the big mountains
in their speechless ardour.

Where no sun is visible
the hills are washed with light.
The river sings
love floats!
love floats!
But I have no dreams.  

A criança eterna acompanha-me sempre. A direção do meu olhar é o seu dedo apontando. O meu ouvido atento alegremente a todos os sons são as cócegas que ele me faz, brincando nas orelhas

Semana de exames, inúmeros exames, no primeiro dia nove horas passadas em um laboratório, quatro quadras depois do começo da avenida Paulista, e um consultório, oito quadras depois do final da mesma avenida. A Paulista tem 2,8 km. Tempo, cansaço e exames demasiados.
No último consultório eu não conseguia ficar sentada, ler, distrair-me com as palavras cruzadas. Exausta eu me esforcei para não cochilar na poltrona. Eu cochilei na poltrona.
Tentei a mesma forma de superação imediata, assimilada à época do tratamento e exames posteriores à descoberta do câncer: Caminhar. Caminhei pelo bairro do Paraíso, por mim bem conhecido, e com tristeza vi que a loja Catedral, aberta em 1947, deixou de existir (depois da Brasserie Victoria era na Catedral que encontrávamos as melhores esfihas e melhor o pão árabe de São Paulo). Passei em frente de lojas que existem no bairro há mais de trinta anos, vi lojas novas, prédios construídos em terrenos anteriormente ocupados por belas casas, a sorveteria Alaska, desde 1954, no mesmo local. Lembrei da filha de Cora Coralina, senhora elegante e educada, que era nossa vizinha no prédio. Lembrei das histórias que a filha contava sobre a mãe poetisa.
Lembrei do morador do nono andar, marido de uma senhora elegante e sofisticada, que passava os finais de tarde no bar da esquina. Garota eu ainda não entendia o que era o alcoolismo. Vi o garoto mendigo, hoje um homem mendigo, amparado em duas muletas e em pior estado do que estava tempos atrás. O rosto, porém, é o mesmo, apesar da vida dura da rua, do maltrato, da total ausência de saúde e higiene.
Desta vez, talvez pelo cansaço interno e externo, transformei parte do caminhar em apreciação e lembrança. É interessante como as pessoas que fizeram parte de nossa vida parecem personagens: A filha da poetiza, a senhora elegante, o senhor alcoólico, o senhor alto e meio esquisito, pelo meu filho apelidado de brucutu, todas personagens de um passado recuperado em dias de leveza da alma, paradoxo do corpo cansado.
No caminho pela avenida Paulista até o segundo consultório, entrei na casa da rosas e procurei alguma exposição que pudesse proporcionar-me alento para seguir a diante. Nada. Um vídeo curto feito por Leminski sobre Kafka numa sala e na outra, espaço com fotografias de Haroldo de Campos em sua casa no bairro de Perdizes, também passava um vídeo sem som. Ver a imagem de Alice Ruiz, num palco, em frente ao microfone a ler determinado livro e não ouvir sua leitura foi frustrante. Não houve outro meio salvo apreciar o imóvel, imaginar como era a vida de seus moradores (a casa das rosas foi projetada por Ramos de Azevedo e serviu de moradia para sua filha), buscar qual seria a sensação matinal ao abrir as portas da varanda para apreciar os jardins rendados e enfeitados de rosas, lembrar da minha meninice e dos meus passeios pela Paulista e o encantamento que aquela casa proporcionava. Foi com respeito e reverência que senti o corrimão, apreciei o vitral, caminhei pela alameda, me impressionei com o orquidário. Aquela casa tem história, em suas paredes estão fixados sonhos, choros, alegrias e uma boa parte da vida.
Segui em frente e no prédio da FIESP vi o cartaz da exposição de Maureen Bisilliat (parte do acervo do Instituto Moreira Saller) e resolvi presentear-me com a poesia e a prosa em forma de fotografia, que a talentosa irlandesa nos ofertou: “Muito dos capítulos que compõem esta exposição tiveram seus começos na obra dos prosadores - Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Jorge Amado – ou de poetas, como João Cabral e Adélia Prado; outros sintetizam situações vividas durante os anos de glória jornalística da Editora Abril- As caranguejeiras, Mangueira, e, por último, China – cujo interesse como documentação parece aumentar com o passar do tempo. A série pele preta deriva de meus tempos de estudante, quando freqüentava ateliês de modelo vivi, atenta à anatomia, à movimentação do corpo e à iluminação. No Xingu, através de Orlando e Cláudio Villas Bôas e sob sua sábia orientação, encontrei um povo hospitaleiro, harmonioso e cheio de humor.
Já os reis, rainhas e valetes do tabuleiro sertanejo de Ariano Suassuna foram visitados em seus reinados, com o apoio de bolsas concedidas pela Fundação Guggenheim e pelo CNPQ/Fapesp, enquanto ao Japão fui convidada pela Fundação Japão, ancorada nos escritos de Kawabata e Lafeadio Hearn.
Um chamado ao passado, esta exposição tem me dado, apesar das dúvidas sem fim, o prazer de um reencontro com um eu perdido no tempo: um algo de mim em outras dimensões.” Maureen Bisilliat.
Sai da exposição de Bisilliat revigorada e com a certeza: Eu voltarei para apreciar mais tanta lindeza.
Imagens da casa das rosas feitas com o celular
Poesia de Alberto Caeiro

Marguerite Yourcenar - Le paradoxe de l'écrivain (2/3)



Um livro lembrado na última semana: "Memórias de Adriano", de Marguerite Yourcenar

When Harry met Sally - um dos filmes lembrados na semana passada